Tributação de carbono deve ser fiscalmente neutra

por | mar 14, 2023

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O imposto sobre emissões de carbono poderia substituir outros tributos socialmente regressivos, como os incidentes sobre o consumo

A cobrança de imposto sobre as emissões de carbono não deve ter o objetivo de aumentar a arrecadação e sim corrigir uma falha de mercado. Por isso, precisa ser fiscalmente neutra, diz o coordenador da área de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (ICS), Gustavo Pinheiro(foto), ao Integridade ESG.

Na opinião dele, o chamado carbon tax poderia substituir outros tributos como, por exemplo, os incidentes sobre o consumo, que são socialmente regressivos e oneram desigualmente a população, penalizando os mais pobres.

Teoricamente, afirma Gustavo Pinheiro, a tributação é a forma mais eficiente de implementar a precificação da poluição por gases causadores do efeito estufa. Mas também existem instrumentos de mercado, como um sistema com teto e comércio de emissões (cap and trade), preferido pela indústria.

“Não é necessário fazer uma escolha entre um modelo com tributação de carbono ou um instrumento de mercado”, afirma, até porque há locais em que ambos coexistem. O mais urgente, na opinião de Pinheiro, é revogar o Decreto 11.075, de maio de 2022, que conflita com a Política Nacional de Mudança do Clima e cria insegurança jurídica.

“O Brasil tem tudo para ser a primeira grande nação a alcançar a meta de emissões líquidas zero”, avalia.

Como a precificação do carbono pode contribuir para isso? Saiba, a seguir, na entrevista completa com Gustavo Pinheiro.

Integridade ESG – A equipe econômica analisa a possibilidade de incluir na proposta de reforma tributária um imposto sobre as emissões de carbono. Este é o melhor mecanismo para a precificação do carbono?

Gustavo Pinheiro – Depende de como for a arquitetura do imposto. Ainda não foram divulgadas informações sobre essa arquitetura.

De uma perspectiva teórica, tributação é a forma mais eficiente de implementar a precificação da poluição por gases causadores do efeito estufa. Instrumentos de mercado, como um sistema com teto e comércio de emissões (cap and trade), são preferidos pela indústria.

Sou agnóstico em relação à forma de implementação. Fato é que precisamos corrigir a falha de mercado que permite que a conta da poluição gerada pela queima do carvão mineral, petróleo e gás seja paga pelos cidadãos-contribuintes e não por quem gera a poluição.

Precisamos retomar o diálogo entre governo e sociedade e que avançar rápido na construção de consenso sobre como evoluir na agenda de regulação da poluição por gases causadores do efeito estufa. O Brasil não pode ficar para trás.

É um tema que o Brasil tem condições de liderar internacionalmente. E se beneficiar dessa liderança.

Integridade ESG – Qual é o modelo mais bem-sucedido, por que e em que país?

Gustavo Pinheiro Não há um modelo melhor que o outro. Tanto a tributação da poluição quanto o estabelecimento de um teto de poluição e um sistema de comércio de autorizações de poluição levam ao mesmo resultado. Fazem com que fique mais caro poluir e tornam tecnologias limpas viáveis.

A opção de cada país ou bloco econômico deve se relacionar com a meta de redução de poluição, o perfil de emissões de gases causadores do efeito estufa e a estrutura de políticas públicas.

Salvo honrosas exceções, a maior parte dos países ainda está no início da implementação de sistemas de precificação de carbono. Segundo o Banco Mundial, são atualmente 70 as iniciativas de precificação de carbono em implementação em todo o mundo. Não é necessário fazer uma escolha entre um modelo com tributação de carbono ou um instrumento de mercado. Há, inclusive, jurisdições com sistemas híbridos, onde a tributação de emissões e um sistema de comércio de direito de emissões coexistem.

Integridade ESGQual é o peso da eventual criação de um carbon tax no Brasil, onde a carga tributária já é muito alta?

Gustavo Pinheiro – A carga tributária em toda a economia não é uma variável muito relevante para essa decisão, pois a tributação de carbono tem como objetivo não o aumento da arrecadação, mas sim a correção de uma falha de mercado.

A tributação de carbono não deve ampliar a carga tributária, deve ser fiscalmente neutra. Pode substituir outros tributos mais prejudiciais à economia. Por exemplo, os tributos sobre o consumo, socialmente regressivos e que oneram desigualmente a população, penalizando os mais pobres.

Integridade ESG – Parece existir no Brasil uma certa pressão para que seja adotado aqui apenas o sistema de comércio de emissões. Isso seria suficiente para garantir da NDC do país?

Gustavo Pinheiro – O alcance da NDC depende de vários fatores.

Um sistema de comércio de emissões pode contribuir, mas se será suficiente dependerá de sua amplitude: de que setores terão limites de emissões, de qual o nível de ambição de reduções de emissões que for estabelecido.

O desafio é criar um sistema com boa governança, que ofereça segurança jurídica e previsibilidade, para que os setores emissores façam os investimentos para reduzir emissões.

Integridade ESG – Até que ponto a aprovação do Projeto de Lei (PL) 528, que tramita há dois anos, é importante para o mercado de carbono deslanchar?

Gustavo Pinheiro – A tramitação do PL 528 abriu o debate na Câmara dos Deputados. Contudo, ele acabou não sendo aprovado no plenário da Câmara e surgiram outros PLs, inclusive no Senado. Dependendo do texto que for levado à votação, pode contribuir ou atrapalhar o desenvolvimento de um mercado íntegro.

É importante que o Congresso avance nos debates e aprove uma legislação robusta, que estabeleça um teto de emissões para os principais setores emissores. É do teto de emissões e da redução gradual obrigatória que se estabelece uma demanda firme, essencial para alavancar os investimentos necessários para a redução efetiva das emissões de gases de efeito estufa.

Integridade ESG – Por que o Decreto 11.075 precisa ser substituído por um projeto de lei? Prestes a fazer um ano, qual é o balanço do seu impacto?

Gustavo Pinheiro – Infelizmente o balanço do impacto do decreto é negativo. Ele causou mais insegurança jurídica.

O decreto está em flagrante conflito com o artigo 9º da Lei 12.187, que estabeleceu a Política Nacional de Mudança do Clima. O decreto também não estabeleceu um teto de emissões e os prazos para apresentação de metas pelo setor privado tem caráter voluntário. Me parece ainda que, com o decreto, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tentou avançar sobre prerrogativas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) ao propor um novo Sistema de Registro de Emissões.

O MCTI já opera desde 2017 o Sistema de Registro Nacional de Emissões (SIRENE), que exibe inclusive as emissões de gases de efeito divulgadas por 89 empresas brasileiras para o Carbon Disclosure Project (CDP), uma ONG inglesa fundada por investidores para divulgação de informações relacionadas à mudança do clima para o setor financeiro.

O decreto precisa ser revogado urgentemente. Como o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões foi estabelecido em lei, mas nunca regulamentado, é preciso outra lei para aprimorar o texto original, antes que se avance na regulamentação por decretos e portarias.

Integridade ESG O Brasil é um dos países que mais podem ser impactados pelo Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), na Europa. Os EUA também estudam adotar mecanismo semelhante. O Brasil deveria ter o seu CBAM? Que setores serão mais penalizados e quais os que poderão ter, aí, uma oportunidade?

Gustavo Pinheiro Todo país que exporta produtos dos setores regulados pode ser impactado. O Brasil pode ter suas exportações de aço e alumínio sobretaxadas, e por isso é importante correr para implementar a precificação no Brasil como forma de evitar a taxação das exportações. Tanto na Europa, a partir de 2026, quanto nos Estados Unidos ou na China, a taxação de emissões na fronteira parece que será uma realidade muito brevemente.

O Brasil parte em vantagem por ter uma matriz energética mais limpa que as outras grandes nações do mundo. Mas para aproveitar a oportunidade deve liderar a transição global. Podemos ser a primeira grande nação a alcançar emissões líquidas negativas.

O CBAM é uma grande oportunidade, pois aumenta a competitividade relativa de exportações brasileiras dos setores regulados em relação a produtos da China, principalmente em função da matriz energética. Para que essa vantagem se mantenha no longo prazo, precisamos acelerar a transição energética brasileira para renováveis e acabar com o desmatamento e as queimadas.

Acelerar a transição é uma oportunidade de atrair trilhões de dólares em investimentos para o Brasil e outros países em desenvolvimento, que têm condições de capturar carbono da atmosfera com soluções baseadas na natureza a custos baixos e com grandes cobenefícios econômicos, sociais e ambientais.

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