O que o caso Marisa tem a ver com a governança

por | maio 18, 2023

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Mapeamento sistêmico de riscos deve fazer parte da agenda ESG das grandes varejistas, que enfrentam mudanças de caráter global e concorrência desigual

Depois da Americanas, a rede varejista Marisa ganhou destaque nos últimos dias por apresentar números negativos. Desde 2020 amargando prejuízos milionários, a marca divulgou esta semana um prejuízo de R$ 148,9 milhões no primeiro trimestre deste ano. As causas para a crise passam pelas mudanças da economia local e global, mas também têm tudo a ver com a governança corporativa, destaca o especialista em governança e compliance Claudinei Elias, fundador da consultoria Bravo GRC e conselheiro deliberativo do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.

“Vivemos um momento de mudanças de modelos de liderança e de demandas do mercado, considerando que os riscos aos quais as companhias se expõem aumentam e ficam muito mais complexos do que jamais foram. Não estamos num mercado de economia perfeita. Porém, tudo isso tem a ver com a agenda ESG. Afinal, é a governança que gerencia os pesos e contrapesos da organização, mantém pilares de extrema importância, a estrutura da empresa e a gestão dos riscos. Algumas empresas tiveram problemas justamente com essa visão. Provavelmente não mapearam tais riscos de forma sistêmica”, explica o especialista com formação em alta gestão para liderança na Yale School of Management.

Entre os riscos que as varejistas devem medir em suas práticas de governança corporativa, estão as ameaças representadas pela concorrência que vem da China e de outros países, pois estamos diante de “uma mudança em curso quanto à hegemonia de mercado”.

“Tais marcas não concorrem no mesmo nível daquelas locais. Há questões complexas ligadas à demanda e à precificação em função da origem das mercadorias, e ao regime tributário no qual se enquadram as empresas locais e as internacionais. Essas são questões que estão mexendo com as estruturas do mercado tanto no Brasil quanto no mercado global. E nem sempre as varejistas estão preparadas para isso. Além disso, o governo já não ajuda muito”, comenta sobre a crise no varejo.

Um dos mais atingidos pela alta da taxa básica de juros (Selic), o setor varejista brasileiro tem enfrentado dificuldades para negociar suas dívidas e encarecimento do crédito. A esse cenário geral, somam-se outros fatores que aumentam a incerteza no setor, acrescenta o consultor.

“Temos uma condição macroeconômica, que envolve os juros elevados no país e uma retração global. Após grandes investimentos globais, quase a fundo perdido, que estava mexendo de forma positiva a economia, há dois anos, a situação estancou. Sem falar nas mudanças de tecnologia, que influenciam na aquisição no varejo”, cita.

As mudanças anunciadas pela rede Marisa em sua estrutura administrativa devem impactar nos resultados da governança, acredita o especialista da Bravo.

“Acredito que o presidente atual está indo numa boa direção, e que essa reestruturação, com alongamento de dívida e redução dos níveis hierárquicos, tornando a empresa mais ágil. A direção está tomando decisões difíceis, como o fechamento de lojas, mas o objetivo é o de melhorar a estrutura da companhia”, avalia.

Para Elias, a separação do operacional do comercial reforçará a governança, assim como a fusão entre os comitês de assessoramento estratégico e financeiro, dentro do Conselho de Administração.

“Operação e vendas são setores bem diferentes, e. provavelmente serão mais efetivos na execução do seu próprio trabalho. A mensuração da análise de dados, por exemplo, será melhor, onde cada área exercerá sua capacidade, dentro da sua expertise. A fusão do estratégico e do financeiro faz mais sentido ainda. Dessa forma, o próprio Conselho de Administração será melhor informado e terá uma visão mais sistêmica de riscos, deixando a organização mais fluida e mais ágil. Não é o melhor dos mundos, você tem endividamento e repactuação de dívidas, mas a família está fazendo aporte e investindo em uma marca de extrema tradição”, analisa.

Demissões realizadas segundo o compliance preservam a reputação da marca

O anunciado fechamento de 91 lojas Marisa em todo o país até junho causará centenas de demissões. Segundo a administração da Marisa, as unidades a terem as portas fechadas são aquelas consideradas deficitárias. Em mensagem enviada aos acionistas, a marca informou que 25 lojas já tiveram suas atividades encerradas entre março e abril. Ao longo deste mês, outras 26 serão fechadas.

“Temos que entender que há decisões nos negócios mais difíceis e duras, mas é importante que faça o processo de forma humanizada, preservando os direitos dos trabalhadores. Às vezes é melhor fechar 100 lojas e a marca sobreviver, do que fechar tudo e demitir todo mundo, levando a empresa à bancarrota. O impacto social da perda total da Marisa seria muito maior do que o fechamento de uma centena de lojas físicas. Estamos falando da decisão de um capitalismo consciente, que está tentando preservar um valor dentro da agenda ESG”, afirma o especialista em GRC (Governança, Riscos e Compliance), ESG (Environmental, Social and Governance) e ERM (Gestão de Riscos Corporativos).

A governança, mais uma vez, é fundamental na hora de realizar reestruturações com o máximo de ética e justiça possível, enfatiza o consultor.

“Vimos movimentos horrorosos no passado, de pessoas demitidas em massa pelo Zoom e pelo Teams, ou profissionais que transferiram conhecimento e depois foram dispensados. Dentro dos processos da governança corporativa, temos subprocessos, como compliance interno, compliance externo e compliance regulatório, controles e gestão de riscos. Caso esse processo de demissões não siga as regras de governança, as empresas correm risco reputacional diante dos consumidores e do mercado de ações”, finaliza o consultor Claudinei Elias.

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