O árduo caminho das mulheres negras rumo aos Conselhos de Administração

por | nov 23, 2023

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Embora o número cresça gradativamente nas principais companhias americanas listadas no S&P 500, no Brasil o percentual ainda é ínfimo, pontuam participantes do Fórum Brasil Diverso 2023, realizado em SP

Um dos índices mais observados do mercado acionário americano, o S&P 500, sinaliza a chegada de novos tempos no que se refere à presença de mulheres negras nos Conselhos de Administração. A amostragem vem daquelas que estão entre as maiores empresas de capital aberto dos Estados Unidos. Dos 395 novos diretores nomeados no ano fiscal encerrado em 20 de abril de 2022, 46 referem-se a mulheres negras. Ou seja, 12%, de acordo com a Spencer Stuart, empresa de recrutamento de executivos e conselheiros. Elas integram os conselhos de grandes companhias, como Abbott Laboratories, Delta Air Lines e Bed Bath & Beyond. Em 2008, primeiro ano em que foram observadas a raça e a etnia dos membros do conselho, o número era de 2%.

Embora demorado, o crescimento tende a continuar em escala ascendente, seja pela necessidade de respeitar leis e regulamentações que surgem ao redor do mundo, seja pela pressão da sociedade e, especialmente, pela demanda dos investidores por práticas ESG reais.

Por curiosidade, vale contar, as empresas que têm escolhido profissionais do sexo feminino para ocupar cadeiras em seus Conselhos de Administração vêm, especialmente, dos setores de Saúde, Tecnologia e da Indústria.

Embora as mulheres negras tenham feito progresso, latinas e americanas de origem asiática continuaram subrepresentadas, com 9% e 6%, respectivamente, de acordo com estudo da Heidrick & Struggles, que concluiu que esses números não se alteraram nos últimos anos. A pressão para aumentar a diversidade do C-Suite ao nível do conselho permanece, aponta a organização.

“Constituí um book com nomes de mais de 30 mulheres que eu indico para investidores”, conta Rachel Maia, presidente do Pacto Global da ONU

Em agosto de 2021, a Nasdaq (bolsa americana destinada às empresas de tecnologia) passou a exigir que as companhias nela listadas tivessem ao menos uma mulher, dentre a inserção de outras minorias. Embora a exigência tenha sido aprovada pela SEC (Securities and Exchange Commission), agência americana que regula o mercado de capitais, enfrentou desafios legais.

Representatividade no CA gira em torno de 1% no Brasil

Já no Brasil, a representatividade de negras no conselho ainda é ínfima. Há nomes exemplares como o de Rachel Maia, ex-presidente da Lacoste e da Pandora, mas pesquisas apontam que esse percentual gira em torno de 1%.

“Ainda é um desafio para nós, mas estamos no caminho. Eu constituí, há menos de dois anos, um book onde existem mais de 30 mulheres que eu indico para investidores”, afirma Rachel, fundadora e CEO da RM Consulting, ao Integridade ESG. Ela inspira tantas mulheres que, durante sua recente participação em um dos painéis do Fórum Brasil Diverso 2023, realizado este mês em São Paulo, formou fila de mulheres querendo tirar uma foto com ela.

Rachel conta que hoje há investidores que a procuram atrás de nomes, dispostos a mudar as desigualdades raciais atuais. Parte deles por enxergar a real vantagem competitiva em ter um Conselho de Administração diverso, com olhares, histórias e experiências diferentes, parte preocupada em atender exigências que surgem ao longo dos anos. Um exemplo: a Resolução 59/21, de dezembro de 2021, da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que entrou em vigor em 2 de janeiro de 2023 e trouxe, dentre as principais alterações, a obrigatoriedade por parte das empresas brasileiras listadas de reportarem, e justificarem, caso não o façam, determinadas métricas ESG. A agenda ESG, enfim, teve que ser abraçada.

Resoluções da CVM serviram de empurrão

Em 20 de outubro de 2023, foi a vez da Resolução 193, cujas normas dispõem sobre a elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional emitido pelo International Sustainability Standards Board – ISSB. Dentre as decisões, a necessidade de fornecimento de um arcabouço global efetivo e proporcional de informações voltadas aos investidores, servindo para auxiliar os mercados financeiros globais a avaliarem os riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade.

Outra norma refere-se à necessidade de as práticas brasileiras estarem harmonizadas com as práticas internacionais de divulgação de informações de sustentabilidade, propiciando aumento da transparência, da confiabilidade, da consistência e da comparabilidade dessas informações, de forma a possibilitar o acesso das empresas nacionais às fontes de financiamento internacionais e a construção de um ambiente internacional de interoperabilidade.

“De forma objetiva, junto com o Ebitda, os relatórios de sustentabilidade trazem a obrigatoriedade do senso também. E esse senso terá que mostrar diversidade e pluralidade na liderança e no conselho. Tal pluralidade não é só de gênero, mas também de raça, de pessoas com deficiência, de pensamento, de inovação. Isso tudo é presença constante na estratégia. O conselho é o colegiado máximo de uma empresa e o presidente tem que ouvir”, explica Rachel.

Uma frase de Maurício Pestana, CEO do Fórum Brasil Diverso, com quase 40 anos na área de inclusão e diversidade, sintetiza bem a nova era do ESG e da necessidade de renovação dos conselhos historicamente compostos por homens brancos.

“Sem inclusão racial não há ESG”, costuma afirmar Pestana, que foi secretário municipal de Promoção da Igualdade Racial em São Paulo durante a gestão de Fernando Haddad (2015).

Rachel Maia lembra que, embora o assunto financeiro domine 90% das conversas dos conselhos, é de responsabilidade de seus membros abraçar essa agenda de transformação que envolve impacto social e ambiental.

“Direitos humanos são um tema transversal à agenda da empresa”, conceitua.

Presidente do Conselho Administrativo e conselheira de organizações, como Vale, CVC e Pacto Global da ONU no Brasil, Rachel dá dicas para quem quiser seguir seus passos. O primeiro é procurar nomes inspiradores para mentoria, observar suas qualificações, lapidar suas maiores habilidades e agregar valor. Deve-se fugir do “ser mais do mesmo” e evitar o caminho mais cômodo, como entrar em jogos já ganhos.

“Nunca entro numa batalha mais fácil”, conta, ao explicar que, embora tenha três MBAs financeiros, resolveu mergulhar no tema sustentabilidade. Por conta disso, Rachel faz, no momento, mestrado em sustentabilidade na USP.

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