Ministério dos Povos Indígenas é conquista, mas questão dos territórios persiste, mesmo com a criação da Pasta, dizem representantes da região do Pará ao Integridade ESG
Nos últimos anos, o movimento indígena do Baixo Tapajós, na região amazônica, tem protagonizado as lutas por direitos de 14 povos em 121 aldeias, situadas em três municípios do Oeste do Pará, onde vivem cerca de sete mil pessoas: Santarém, Aveiro e Belterra. A população indígena local tem sofrido pressões constantes de garimpeiros e madeireiros, além do avanço do cultivo de soja e da agropecuária. Conflitos pela terra rica em recursos naturais ameaçam as comunidades indígenas, além de secas, que agravam os incêndios florestais.
Perguntada pelo Integridade ESG sobre os principais problemas que atingem a população originária local, a coordenadora do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), Margareth Maytapú, não hesitou: os efeitos das mudanças do clima.
“As mudanças climáticas estão entre as nossas maiores dificuldades atuais. Nossa área foi afetada por uma grande estiagem. As três aldeias de Aveiro perderam o acesso a outros locais, que é todo via fluvial. Acesso terrestre não temos. Com muita luta, conseguimos cestas básicas”, conta.

“As mudanças climáticas estão entre as nossas maiores dificuldades”
A respeito do Ministério dos Povos Indígenas, também conhecido como Ministério dos Povos Originários, considerado uma conquista dos índios, Maytapú confessa que sua aldeia ainda está à espera de ações mais concretas por parte do governo federal.
“Todos os dias temos que lutar contra todos os retrocessos, inclusive estamos muito sentidos, de certa forma, hoje. A criação do Ministério dos Povos Originários para nós não tem surtido muito efeito. Aqui no Baixo Tapajós, não estamos sendo assistidos, ainda, não sei por qual motivo, pelo Ministério”, desabafa.
Por sua vez, Tainan Kumaruara (foto), presidente da Associação de Mulheres indígenas Kumaruara da Aldeia Muruary, também no Baixo Tapajós, reconhece a criação do Ministério liderado por Guajajara como uma conquista histórica.
“É um Ministério novo e, até alinhar todas as demandas, sabemos que demora. Além disso, houve a emergência dos yanomamis, exigindo que o Ministério concentrasse suas energias para amenizar a situação”, comenta.
No entanto, Tainan lamenta que a morosidade da homologação dos territórios na região continue afetando a população.

“Mesmo sabendo de todos esses desafios do Ministério, nós, aqui no Baixo Tapajós, estamos sentindo a falta de diálogo e da proximidade. Temos oito territórios, e nenhum deles foi demarcado até agora. Até mesmo aqueles que já estavam em processo de demarcação não foram homologados, o que nos preocupa muito. Passados quatro anos do governo passado, achamos que a situação iria melhorar, mas ainda enfrentamos essa demora”
Tainan Kumaruara, presidente da Associação de Mulheres indígenas Kumaruara da Aldeia Muruary
O indigenista Marco Antônio Mota, conhecido como Marquinho Mota, e coordenador de projetos do Fórum Amazônia Oriental (FAOR), é mais otimista em relação ao Ministério, embora reconheça que a retirada da atribuição de demarcar territórios tenha golpeado o potencial da Pasta.
“O Ministério é uma grande conquista histórica dos povos indígenas no Brasil. A nomeação de Sonia Guajajara foi de um simbolismo único. Sem ela, o Ministério não teria tido grande visibilidade, assim como a ação, logo no início do governo Lula, contra os garimpeiros na terra indígena yanomami. Acho que muitas coisas estão se estruturando, mas temos que ver que o Ministério sofreu um ataque absurdo por parte dos ruralistas. Quando foi retirado o seu poder de demarcar terras, o Ministério perdeu a sua essência. Afinal, nada representa melhor os direitos e a proteção do que a demarcação dos territórios.
Expectativas em torno do Acampamento Terra Livre
Para o indigenista, as demarcações anunciadas pelo Ministério na véspera do 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, em Aldeia Velha, na Bahia, e em Cacique Fontoura, no Mato Grosso, demonstram que o governo quer evitar confronto com mineradoras, barrageiros e agropecuaristas.
“Onde tem interesse desses setores, o governo não demarca. As homologações acontecem onde não há conflito”, enfatiza.
Ele acredita que a manifestação que ocorre há 20 anos, o Acampamento Terra Livre (ATL), marcada para a semana de 22 a 26 de abril, pressionará o Ministério dos Povos Indígenas, o governo federal como um todo e parlamentares a respeito do marco temporal. Dezenas de organizações dos povos originários se reunirão em Brasília. Para este ano, o tema escolhido é “Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui”. Em 2023, seis mil indígenas participaram do ATL.
“O Ministério tem um orçamento limitado, mas acredito que, de 22 a 26 de abril, as populações indígenas darão uma resposta grande. Essa mobilização é muito importante”, afirma Marco Antônio Mota, referindo-se à mobilização organizada em Brasília para os dias 22, 23, 24, 25 e 26 de abril.
O marco temporal é a tese jurídica que estabelece que os povos indígenas o direito a reivindicar somente territórios que já ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu a declaração de inconstitucionalidade de diversos pontos da lei que definiu o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, e solicitou que o Supremo Tribunal Federal suspenda provisoriamente tais pontos, até que ocorra um julgamento definitivo.