Mecanismos de financiamento permeiam as discussões da COP16 da Biodiversidade

por | out 24, 2024

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Em conversa com o Integridade ESG, especialista do Imaflora, presente na Conferência realizada na Colômbia até 1º de novembro, sugere o corte de financiamentos de atividades prejudiciais à conservação das espécies

A questão dos mecanismos de financiamento da biodiversidade é fundamental e está despertando grande expectativa na 16ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a COP 16 — que está sendo realizada na Colômbia até 1º de novembro. A situação das populações indígenas está entre as pautas que permeiam as conversas do evento, que ganhou mais evidência e tem maior presença do setor privado este ano.  

A 16ª edição da COP-16 aborda o tema “Paz com a Natureza”, na primeira COP da Biodiversidade após a estruturação do Marco Global de Kunming-Montreal (GBF – Global Biodiversity Framework, em inglês), assinado por 196 países em dezembro de 2022, no Canadá.

“É preciso reduzir e cortar os financiamentos de atividades prejudiciais à conservação da biodiversidade e ampliar os investimentos em soluções que a conservem”

Patrícia Cota, diretora-executiva adjunta do Imaflora

A diretora-executiva adjunta do Imaflora, o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, que participa da COP 16, em Cali, conversou com o Integridade ESG. Patrícia Cota acredita que essa será uma questão-chave na Conferência, que reúne representantes de 190 países. 

“É preciso reduzir e cortar os financiamentos e investimentos das atividades prejudiciais à conservação da biodiversidade e, por outro lado, ampliar os investimentos e incentivos para soluções e ações que a conservem. Os países mais ricos precisam aportar na conservação, uma vez que os países que mais conservam as espécies remanescentes no planeta são os em desenvolvimento, que vêm pagando a conta da conservação”, frisou.

John James, professor do MBA de ESG da FGV, compartilha a visão de Patrícia Cota.

John James, professor da FGV, chama atenção para o papel do setor privado no âmbito dos investimentos em biodiversidade

“O assunto mais delicado que o Brasil e muitos outros países vão levar para a Colômbia é o aspecto de financiamento para apoiar países em desenvolvimento, especialmente os com grandes níveis de biodiversidade, para financiar a proteção dessas áreas”.  

James ressalta que um aspecto interessante é o aumento da inclusão do setor privado nos aspectos financeiros, que pode levar mais investimento em produção de natureza, complementando a finança pública e gerando impactos na biodiversidade

De onde virá o dinheiro para preservar a biodiversidade?

O professor e consultor em ESG e sustentabilidade, Gustavo Loiola, concorda que o financiamento está no centro das discussões do evento.

“A questão financeira vai ocupar boa parte da discussão da COP, girando em torno da questão de onde virá o dinheiro para preservar e regenerar a biodiversidade e de como se criam esses mecanismos”, prevê o professor convidado no ISAE, Fundação Getulio Vargas (FGV) e PUC-PR, acrescentando que, no entanto, que os US$ 200 bilhões anuais acordados na COP 15, em Montreal, não são um montante suficiente para apoiar a conservação. 

Gustavo Loiola, gerente no PRME, iniciativa para educação responsável da ONU : “Pagamento para serviços ambientais é oportunidade para recompensar comunidades rurais e indígenas”

Ao lembrar que estudos já apontam que áreas indígenas e gerenciadas pelas comunidades tradicionais, assim como os quilombolas, protegem mais a biodiversidade do que as protegidas pelo setor público, o especialista James diz que o Brasil deve levar a questão da proteção de direitos indígenas para a COP 16

Ele ressalta que é preciso dar proteção legal sobre esses territórios para que não se perca o que tem sido preservado.  Para ele, a reforma de agricultura de baixo carbono que protege biodiversidade é possível, aumentando a produtividade e diminuindo o desmatamento. 

“O Brasil tem que ser estratégico sobre as áreas que vai efetivamente proteger porque a área da Amazônia e os outros biomas, que têm muita biodiversidade, são enormes”, avalia o professor. Além disso, afirma que o pagamento para serviços ambientais é uma grande oportunidade para recompensar produtoras rurais e comunidades indígenas que fazem essa produção de áreas pela biodiversidade para sequestrar o carbono. 

Em Cáli, a Funai citou uma série de fatores que motivam a necessidade de proteção ambiental das terras indígenas e, principalmente, de quem protege a biodiversidade, como as menores taxas de desmatamento comparadas às demais unidades de conservação. No painel sobre a importância das terras indígenas para a conservação da biodiversidade e equilíbrio do clima, a entidade defendeu que a proteção precisa ser olhada no sentido mais amplo possível para garantir qualidade de vida e segurança aos povos originários

Gustavo Loiola também acredita na necessidade de reconhecimento de território para os povos indígenas, de pagamento de serviços ecossistêmicos e de reconhecimento do aprendizado com povos nativos originários, que mantêm a natureza viva. 

Setor privado quer aumentar participação

“A COP 16 de biodiversidade tem ganhado evidência, está mais pop. É o primeiro ano que observo um apetite, uma presença maior do setor privado em participar. A biodiversidade começa a ganhar espaço dentro das organizações empresariais e, consequentemente, dentro dos governos, que influenciam e acabam impactando as empresas”, diz Loiola, ao enfatizar que o Brasil é o país mais biologicamente diverso do mundo. 

Sob uma perspectiva de que é possível produzir e conservar, o Imaflora levou para a Conferência em Cali o Origens Brasil — uma rede que possui um sistema de garantia que assegura  rastreabilidade, transparência e conexão comercial entre quem produz e quem compra, adianta Patrícia Cota. A especialista em manejo florestal afirma que o case mostra como é possível a coexistência de negócios e mercados consumidores com a conservação da biodiversidade e a valorização das populações tradicionais. 

A diretora do Imaflora conta que vai participar dos side events (eventos laterais) da COP16 e acompanhar a discussão sobre mecanismos de financiamento da biodiversidade e como o setor empresarial, — ator-chave para fazer essa conta fechar  — vai se posicionar este ano.

“Pensar como as empresas vão olhar suas cadeias de fornecimento, os seus negócios, sobre a perspectiva de alavancar, de ampliar a conservação dos ecossistemas e da biodiversidade”, diz Patrícia, afirmando que problemas complexos precisam de soluções construídas com muitos atores.   

Embora as discussões sobre a atualização da Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (EPANB) no Brasil ainda não tenham sido encerradas, a secretária nacional de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, Rita Mesquita, informou que a proposta está bastante avançada. As políticas públicas adotadas pelo governo federal já estão alinhadas ao compromisso internacional assumido pelo país, esclareceu. Segundo ela, o governo está levando para a COP 16 uma série de iniciativas para construir intercâmbios, interações, parcerias e novos entendimentos.  

Entre outros temas, o Brasil participa da discussão sobre a eficiência do Fundo do Marco Global para a Biodiversidade (Global Biodiversity Framework Fund – GBFF), gerido pelo Fundo Global para o Meio Ambiente; e de discussões sobre a criação de um mecanismo multilateral que reúna os sequenciamentos genéticos de forma digital (DSI, da sigla em inglês) da diversidade biológica, garantindo uma justa distribuição dos benefícios gerados em suas patentes. 

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