Com um perfil de clientes diferenciado dos bancos tradicionais, a Conta Black tem 76% de correntistas mulheres e 89,8% pretos
Fernanda Ribeiro acaba de assumir o cargo de CEO da Conta Black. Co-fundadora da fintech de serviços bancários voltada para o público preto e periférico, juntamente com o chairman Sérgio All, a empresária atuava como CCO desde 2017. Em meio a esse novo desafio profissional, Fernanda conversou com o Integridade ESG sobre as mudanças de comportamento do público no mercado financeiro nos últimos anos e antecipou alguns dos novos produtos que serão lançados em breve para os 40 mil clientes da Conta Black, espalhados por todo o Brasil, como cartão e função empréstimo.
Com um perfil de clientes diferenciado dos bancos tradicionais, a Conta Black tem 76% de correntistas mulheres e 89,8% pretos. Há tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas, mas muitas pessoas físicas ainda têm desafios de se identificar como jurídicas, revela Fernanda.
“Os clientes vêm até nós por conta da identificação e muitos abrem sua primeira conta conosco”, comenta a presidente da Associação AfroBusiness, líder de diversidade da Associação Brasileira de Fintechs e embaixadora da Rede Ibero-Americana de Mulheres em Fintech.

Integridade ESG – Quais são seus projetos na gestão da Conta Black, agora que assume como CEO?
Fernanda Ribeiro – Dar continuidade ao nosso plano de ação. Temos uma programação de lançamento de produtos e entregas que faremos para nosso público final. A gestão é estratégica, e manteremos nossos objetivos com o olhar na tecnologia e na operação. Agora, eu acompanho a esteira inteira da empresa.
Integridade ESG – Na época da fundação da Conta Black, em 2017, o foco da empresa eram as pessoas desbancarizadas. Houve mudanças no mercado desde então?
Fernanda Ribeiro – O mercado financeiro, em si, acredito que não sofreu mudanças, mas o cenário financeiro mudou. Desde a fundação da Conta Black até agora, tivemos alguns movimentos nos cenários que influenciaram na tomada de decisões do nosso negócio. Em 2017, o cenário era totalmente diferente do atual. Começamos com um arranjo de pagamentos, um tipo de formato digitech, que possibilitou iniciar a nossa operação, e ao longo desse período, passamos por fatores que nos influenciaram. A partir da pandemia, por exemplo, as pessoas começaram a perder o preconceito com o digital e se identificaram cada vez mais com as contas digitais. Houve uma digitalização e uma bancarização pós-pandemia. Como não se podia mais ir às agências, passamos a usar muito mais os meios digitais. Tal mudança de comportamento foi positiva para a gente. Houve também o impacto econômico da pandemia no saldo. Afinal, entramos numa crise econômica, mas também houve a busca por crédito. De 2017 para cá, houve aumento na busca por crédito, como empréstimos, que as pessoas estão usando para complementar sua renda, seu capital de giro ou para manter seus negócios funcionando.
Integridade ESG – A desbancarização também caiu desde então. Como a Conta Black se adaptou?
Fernanda Ribeiro – O cenário da desbancarização mudou principalmente após a pandemia. Hoje vivemos um cenário de hiperbancarização. Cada pessoa tem no mínimo uma conta em um banco tradicional e outra em um banco digital. Sem falar nas pessoas que têm em média três, quatro opções de banco. Nesse cenário de hiperbancarização, olhamos para nossos diferenciais. Desenvolvemos produtos e serviços de acordo com as especificidades do público população preta e periférica. Temos 40 mil clientes espalhados por todo o Brasil e a meta é chegar a 100 mil até o final do ano, com base nos novos produtos que lançaremos. Essa meta está traçada desde o final de 2022 e o ação para alcançá-la começou a ser executada em janeiro deste ano.
Integridade ESG – Quais são as novidades em produtos e serviços que a Conta Black deve lançar em breve?
Fernanda Ribeiro – A conta digital possui atualmente todas as funcionalidades, como PIX, boleto, pagamento, recebimento. No começo do ano, lançamos a nossa layer, plataforma de investimentos, que permite investir a partir de R$ 10 na própria conta por meio do Conta Black 2.0, que o cliente baixa. Volto a dizer: focamos na nossa especificidade. Em breve, vamos lançar o cartão Conta Black, a princípio com crédito pré-pago para fazer movimentação na conta. O pós-pago lançaremos em outro momento. Hoje, oferecemos crédito para grupos pequenos. Em breve, a partir do segundo semestre, lançaremos uma nova função de empréstimo.
Integridade ESG – Dentro dessa especificidade de público, a população preta e periférica, de que forma específica a comunicação é pensada e realizada?
Fernanda Ribeiro – A população preta e periférica tem uma forma de se relacionar com dinheiro que é diferente. Um exemplo é o modo de enxergar os seguros. No nosso cenário atual, a cada 23 minutos, uma pessoa preta morre nas periferias brasileiras. Isso incutiu involuntariamente o não pensar no futuro. Por muito tempo ouvimos perguntas como “Para que vou guardar dinheiro se eu não sei o dia de amanhã?”. Tudo isso se reflete na relação dessas pessoas com o dinheiro. Quando lançamos produtos, pensamos sob uma lógica de educação financeira. Mostramos que ele não precisa investir mil reais. Com R$ 10, ele já consegue pensar no futuro. Dialogamos vendo o dia a dia desse público. Eu não preciso dizer “Olha, sei que você não guarda dinheiro porque não quer pensar no futuro”. Mas quando digo “A partir de R$ 10 você já consegue guardar dinheiro”, consigo atingi-lo com um valor agregado.
Integridade ESG – O cenário hoje é de crise entre as grandes varejistas brasileiras, encarecimento do crédito e fechamento de lojas. De que forma o empreendedor preto e periférico, cliente da Conta Black, enfrenta isso?
Fernanda Ribeiro – O tipo de crédito oferecido no mercado é completamente diferente. Os empreendedores negros muitas vezes nem conseguem ter acesso, que sempre foi muito mais caro e mais difícil para esse público. Quando o empreendedor preto começa o seu negócio, já está negativado, devendo. Ou seja, não parte do zero, e sim do menos 1. Começa devendo algum familiar ou conhecido. As barreiras impedem que o crédito chegue até ele.
Integridade ESG – De que forma o Social do ESG pode mudar essa realidade de dificuldade de acesso ao crédito?
Fernanda Ribeiro – O S do ESG é visto muitas vezes como filantropia, e não como uma potencialização desses empreendedores pretos, de modo que conquistem uma autonomia financeira. Incluir pessoas pretas na cadeia de fornecimento das grandes empresas, por exemplo, é uma solução. A Conta Black nasceu dentro de uma rede de empreendedores negros, mas um dos nossos principais trabalhos como afrobusiness era conectar pequenos empreendedores pretos à cadeia de fornecimento de grandes empresas. Uma vez atendendo essas grandes empresas, tais empreendimentos incrementavam sua receita média e reforçavam a própria sustentabilidade financeira. Por isso, digo que, em vez de focar somente no curso e na capacitação, é preciso mais. Devemos pensar em outras ferramentas de sustentabilidade financeira quando pensamos no S do ESG. O crédito é negado e encarece, pois, a maioria desses empreendedores não têm garantias. Quando gero contratos, gero garantias, e o crédito fica mais barato. Para resolver os problemas, precisamos pensar cada vez mais fora da caixa.
Integridade ESG – Qual é a sua avaliação sobre a atual taxa básica de juros no Brasil, de 13,75%, considerada a mais alta do mundo?
Fernanda Ribeiro – É vergonhosa, eu responderia no ímpeto, se consideramos que é uma taxa básica, que norteia muitas coisas no cenário econômico no qual vivemos. E é muito desafiador, no nosso setor, pensar em produtos financeiros que não sejam tão caros, com uma taxa norteadora tão alta. Como empreendedora, faço essa matemática como num quebra-cabeças: como posso não onerar tanto meu cliente e manter meu negócio de pé, tudo ao mesmo tempo? Por outro lado, entendo que quem está regulando isso do outro lado também enfrenta um desafio, mas precisamos chegar num acordo. Fazer inclusão junto ao meu público específico nesse cenário, que precisa de crédito para sobreviver e manter seus negócios funcionando, é muito desafiador.