Guerra contra o carvão está longe do fim

por | out 19, 2022

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Combustível poluente ganha sobrevida e pode ajudar a embaçar brilho da COP 27

O Brasil não está entre os 40 países que se comprometeram a parar de apoiar projetos de geração de energia a carvão. Muitos dos maiores produtores e consumidores mundiais de energia também não, como China, EUA, Índia, Rússia e Austrália, entre os quais só os EUA deverá ter a sua produção reduzida nos próximos anos.

A minguada adesão ao, digamos, pacto anticarvão, firmado durante a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em novembro do ano passado, aconteceu antes de estourar a guerra na Ucrânia. O conflito detonou a crise energética mundial e deu supostos motivos para a reativação de projetos de geração de energia intensivos em carbono, como os de carvão.

O ressurgimento de iniciativas e investimentos para ampliação da produção de carvão mineral tem assombrado os defensores do clima. A China e governadores republicanos dos Estados Unidos estão entre os que tentam dar sobrevida ao combustível fóssil altamente poluente, num contexto de guerra e de crescimento do movimento antiESG. A guerra contra o carvão aumenta os desafios da COP 27, prevista para acontecer entre os próximos dias 6 e 18 de novembro, no Egito.

Ao mesmo tempo ocupa o topo do ranking dos países que mais investiram na transição energética em 2021, com US$ 366 bilhões, o dobro do que teria sido dispendido pelos Estados Unidos ano passado, a China continua aumentando a sua produção de carvão. A justificativa é evitar apagões como os ocorridos em 2022, por conta de uma forte seca que afetou a produção hidrelétrica do país.

Apesar de todos os esforços de pessoas, empresas, países, estados e cidades para levar à frente as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa e frear o aquecimento global, o carvão continua sendo a maior fonte de geração de eletricidade, a segunda maior fonte de energia primária e a maior fonte de emissões de CO2 relacionadas à energia no mundo, segundo a Agência Internacional de Energia. E as previsões são de que a produção mundial aumente este ano.

No Brasil, felizmente, a realidade é bem diferente da chinesa. Aqui o carvão mineral corresponde a menos de um terço da matriz energética e apenas cerca de 3% da matriz elétrica, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Além disso, nosso país tem grandes vantagens comparativas na produção de energias renováveis e vem conseguindo progressos nesse sentido.

Até por isso, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, disse recentemente que vai mostrar, durante a COP 27, que o Brasil é parte da solução para a atual crise energética mundial. Um stand destacará a produção de biomassa e energia eólica offshore.

A contribuição do Brasil para o mundo, na geração de renováveis, deveria ser mais uma razão para o país ter assinado a lista anticarvão firmada na COP 26. Isso não aconteceu e, no início deste ano, o presidente Bolsonaro sancionou uma lei, aprovada no Congresso, que prorroga até 2040 a compra de energia de usinas térmicas a carvão mineral de Santa Catarina A Lei 14.299, de apoio ao setor carbonífero daquele estado, determina que a União estenda a autorização de funcionamento do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL) por 15 anos, a partir de 2025, e que a energia fique disponível para pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (NOS).

Outras iniciativas visam o apoio à carvoaria do Rio Grande do Sul. Seus defensores alegam que é preciso um programa de transição energética justo, que reduza o impacto econômico e social do término do contrato de venda de energia produzida pela Usina Termelétrica Presidente Médici, em Candiota, no Rio Grande do Sul, previsto para dezembro de 2024.

Conversei com a diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura da FGV (FGV CERI) e ex-diretora da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Joisa Dutra, para quem equacionar a questão do carvão no Brasil não é o que mais preocupa, e sim qual será o papel das novas tecnologias para financiar a transição energética no país: “A questão principal é como o avanço de tecnologias que estão no topo da agenda do governo, como hidrogênio, eólica offshore e retomada da nuclear, será viabilizado”. Em relação ao carvão, na opinião dela, o desafio é avaliar como desenhar e implementar políticas que permitam às comunidades que dependem dessa atividade fazer uma migração gradual e estruturada para além do carvão. “Sei que existem projetos e estudos patrocinados por agências de fomento internacional que tentam identificar como caminhar para uma implementação de uma transição energética justa no carvão, mais especificamente na região Sul, a que mais produz carvão no Brasil”, completa.

O dilema do carvão revela que não é só o desmatamento recorde da Amazônia e a inexistência de um mercado regulado de carbono que ameaçam o cumprimento da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil. A economista Lilia Caiado, veterana em participações nas COPs, diz que a situação do país é complicada, apesar de seu potencial imenso para renováveis: “a eólica está bombando, com participação em torno de 12% na matriz elétrica, assim como a solar, que cresce exponencialmente, chegando a 20 gigawatts este ano. Quanto à NDC do Brasil, é cruzar os dedos”.

Estamos juntas nessa torcida!

Tags: CERI | CO2 | COP 26 | COP 27 | FGV

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