Governança da Petrobras mira prevenção do assédio sexual

por | jul 17, 2023

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Diretor executivo de Governança e Conformidade da Petrobras, Mário Spinelli, explica ao Integridade ESG como funciona o processo de apuração de denúncias de assédio na estatal e revela as novas medidas para prevenir importunação

Antes de assumir a Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras, em abril, Mário Spinelli exerceu a função de ouvidor-geral de uma companhia que hoje possui 45.149 empregados próprios e 105.397 prestadores. Sua principal missão na época era recuperara credibilidade da Petrobras, entre 2016 e 2021, em uma época em que ela sofreu os impactos negativos trazidos pela Operação Lava-Jato. Professor do Mestrado Profissional da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV), Spinelli constava da lista tríplice encaminhada pela gestão do CEO Jean Paul Prates, que incluía Andrea Damiani e Cecília Carmona. Com a escolha do seu nome, tem um mandato de dois anos e a possibilidade de três reeleições consecutivas.

À frente de uma estrutura composta por 333 pessoas, Spinelli contou ao Integridade ESG as recentes melhorias adotadas e os procedimentos de prevenção a casos de assédio e violências sexuais contra mulheres — a exemplo dos 10 episódios de importunação sexual ocorridos entre 2019 e 2022 e divulgados recentemente pela imprensa.Entreas novas medidas que visam melhorar a apuração dos assédios de natureza sexual, estão a centralização da apuração em uma única área, a redução no prazo para conclusão da apuração e a disponibilização de um canal de acolhimento às vítimas.

“Além disso, novas medidas de aprimoramento desses processos estão em curso, como o lançamento de um treinamento na modalidade EAD, obrigatório para toda a força de trabalho, que inclui os prestadores de serviço”, contou ele, à frente da governança da estatal de capital aberto, com 83% de homens no seu quadro de funcionários.

“Centralizamos a apuração das denúncias de assédio, reduzimos o prazo para a conclusão e disponibilizamos um canal de suporte psicológico às vítimas. Teremos treinamento EAD, obrigatório para toda a força de trabalho, inclusive para os prestadores de serviço, e um normativo interno com cartilha sobre o combate à discriminação, ao assédio moral e às violências sexuais”

Representante brasileiro do Grupo Anticorrupção dos Países do G-20 em 2010, Spinelli atuou na elaboração da Lei de Acesso à Informação e da Lei Anticorrupção e recebeu a Congratulação da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, em 2011. Ex-secretário de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas da CGU, detalhou todas as etapas do processo de apuração das denúncias recebidas, desde o recebimento através docanal administrado por empresa externa até a conclusão de sua apuração e o cumprimento de eventuais medidas disciplinares.

Confira a entrevista completa com o diretor executivo de Governança e Conformidade da Petrobras, Mário Spinelli.

Integridade ESG Qual é a estrutura atual da Diretoria de Governança e Conformidade? Com quais departamentos conta, funcionários e atribuições?

Mário Spinelli —A Diretoria de Governança e Conformidade (DGC) é composta pelas áreas de Governança, Conformidade, Integridade Corporativa e Privacidade, na qual atuam 333 profissionais. A DGC atua na segunda linha de defesa do sistema de integridade da Petrobras e nos processos para a gestão dos riscos de conformidade, assessorando o desenvolvimento e o monitoramento das atividades de controle realizadas pelos nossos gestores. Atua também nas atividades ligadas à prevenção de incidentes de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro, de controles internos, análise de integridade dos gestores e de contrapartes, além dos processos investigativos e deliberações disciplinares, respondendo também pelas atividades relativas ao nosso modelo de governança corporativa e governança societária, à gestão do processo decisório e ao cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Integridade ESG Durante a conferência Ethos 360°, realizada no Rio de Janeiro, em junho, o senhor afirmou que a transição energética é uma diretriz para a Petrobras, mas sem esquecer do petróleo, e que a governança corporativa é responsável por liderar essa cadeia. De que forma a governança e a conformidade estão liderando o processo rumo à transição energética na estatal?

Mário Spinelli —Temos que ter um alinhamento adequado entre os objetivos estratégicos da empresa e o processo decisório, fundamentando todo esse processo em regras de integridade e de transparência. Um dos principais desafios do movimento de transição energética é ser justa, garantindo energia disponível, acessível e sustentável. E é justamente aí que surgem as questões centrais para a governança corporativa. É por meio da governança corporativa que a empresa se organiza para conseguir o engajamento da alta administração, a integração de todos e o alinhamento dos incentivos corporativos para se atingir as metas voltadas para a transição energética, bem como a prestação de contas, de forma confiável, a todos os públicos de interesse.

Integridade ESG O senhor exerceu o cargo de ouvidor-geral da Petrobras ao longo de cinco anos, antes de assumir a diretoria executiva de Governança e Conformidade da estatal. Poderia nos contar um pouco como foi essa experiência de ombudsman de uma gigante, com milhares de colaboradores? Quais eram os tipos de reclamações mais relatadas?

Mário Spinelli —Assumi a Ouvidoria-Geral da Petrobras em 2016 e a minha principal missão foi trabalhar na recuperação da sua credibilidade, muito afetada por tudo o que havia acontecido na companhia. O desafio de liderar a Ouvidoria de uma empresa do tamanho e da importância da Petrobras é muito grande, não apenas em razão da quantidade de empregados da empresa, mas também pelo fato de ela atender a todos os seus públicos de interesse, a exemplo dos acionistas, de seus fornecedores, das comunidades e da própria imprensa. Reestruturamos o portal de transparência da empresa (que passou a ter a nota máxima nas avaliações externas), desenvolvemos procedimentos de avaliação de riscos e de tratamento de denúncias, aprimoramos a forma de comunicação com nossos públicos e passamos a fornecer informações estratégicas ao processo decisório da empresa. Com a estruturação do canal de denúncias, a Petrobras passou a ter meios de receber reportes sobre irregularidades relacionadas à fraude e corrupção, assédios, incidentes de segurança corporativa e danos a seu patrimônio, entre outras questões. Após seis anos, deixamos a Ouvidoria completamente estruturada e publicamente reconhecida, inclusive pelos órgãos de controle, pelos padrões de excelência em seu funcionamento.

Integridade ESG Quais as bases que a sua experiência como ouvidor oferecem para a sua atuação na Governança e Conformidade, atualmente?

Mário Spinelli —O conhecimento das mais diversas áreas e ações da companhia. A Petrobras é uma empresa altamente complexa, com um corpo de funcionários altamente qualificado e com um processo decisório muito bem estruturado. Compreender as regras de governança, a cultura organizacional e o funcionamento da máquina pode contribuir para uma atuação mais aprofundada e próxima do negócio.

Integridade ESG Em abril deste ano, mês em que o senhor assumiu a função, a empresa anunciou melhorias nos procedimentos de prevenção, recebimento e tratamento de denúncias de violências sexuais, principalmente contra mulheres, ocorridas no ambiente de trabalho, com iniciativas envolvendo tanto funcionários quanto terceirizados. Poderia citar algumas das mudanças já ocorridas e outras que estão em curso?

Mário Spinelli —A Petrobras implementou melhorias nos procedimentos de prevenção, recebimento e tratamento de denúncias de violências sexuais, especialmente contra as mulheres. Entre as ações que já ocorreram estão a centralização da apuração em uma única área, a redução no prazo para conclusão da apuração, bem como a disponibilização de um canal de acolhimento para suporte psicológico às vítimas. Além disso, novas medidas de aprimoramento desses processos estão em curso, como o lançamento de um treinamento na modalidade EAD, obrigatório para toda a força de trabalho, que inclui os prestadores de serviço. Está em fase final a aprovação um normativo interno, acompanhado de uma cartilha que dispõe sobre a prevenção e o combate à discriminação, ao assédio moral e às violências sexuais. Também estamos promovendo a ampliação das palestras que já vinham sendo realizadas sobre esses temas relativos à violência no trabalho para toda a força de trabalho, sobretudo para as áreas operacionais. Finalmente, implementaremos ampla campanha de conscientização para todos os públicos.

Integridade ESG A imprensa divulgou que o prazo para conclusão da apuração de denúncias de assédio passaria de 180 dias para 60 dias. Essa mudança foi implementada?

Mário Spinelli —Essa mudança foi efetivada no Padrão de Tratamento de Denúncias da companhia, que passou a prever o prazo de 60 dias. Uma apuração mais ágil desse tipo de questão é absolutamente essencial para darmos uma resposta satisfatória às vítimas.

Integridade ESG Como funciona o processo de apuração e conclusão de denúncias, a partir do recebimento delas nos canais, e quais são esses canais?

Mário Spinelli —As denúncias são recebidas pelo Canal de Denúncia, hospedado em ambiente externo à Petrobras, em ambiente web, operado por empresa especializada e que funciona 24 horas por dia, em três línguas e em todos os países em que a Petrobras tem negócios. A Ouvidoria-Geral da Petrobras, gestora do Canal, recebe e analisa as denúncias, realizando uma classificação quanto ao risco e ao tema da manifestação. Depois disso, havendo elementos mínimos de materialidade, encaminha a denúncia para as áreas de apuração de acordo com o tema tratado. As nossas áreas de apuração realizam a investigação dos elementos apontados na denúncia e, em caso de confirmação, o assunto é encaminhado para a etapa de definição de medida disciplinar, ressarcimento de valores, melhorias de processo e controle, encaminhamento para órgãos de controle externo, entre outras ações remediadoras. Concluída a apuração, o relatório é enviado à Ouvidoria, que verifica a adequação de seu conteúdo aos elementos da denúncia, responde ao denunciante, monitora o cumprimento de eventuais recomendações e/ou medidas disciplinares e encerra o protocolo no sistema.

Integridade ESG A terceirização é largamente empregada pela empresa, chegando a 105.397 prestadores de serviços. Em 2020, a quantidade de terceirizados representava o dobro dos funcionários. O mapeamento desses stakeholders, ou seja, a mão de obra terceirizada, representa um desafio para a Petrobras? Quais são os critérios que a empresa adota nesse âmbito dentro de suas regras de governança e conformidade?

Mário Spinelli —Os fornecedores, assim como os demais públicos da Petrobras, como a alta administração, os empregados, os clientes, os fornecedores e todos aqueles que se relacionam ou representam os interesses da Petrobras em suas relações de negócios, estão submetidos às diversas normas da companhia relacionadas à conformidade. Temos, por exemplo, um Código de Conduta Ética e Guia de Conduta Ética exclusivos para fornecedores, que estabelecem regras específicas aos nossos contratados. Além disso, todas as empresas que tiverem interesse em iniciar e manter relacionamento com a Petrobras são submetidas a um procedimento de verificação de integridade (due diligence de integridade — DDI), mecanismo que visa avaliar o risco de integridade ao qual a Petrobras pode estar exposta no relacionamento com terceiros. Para o caso de fornecedores, são utilizados critérios específicos, determinados conforme o tipo de fornecimento informado na etapa de cadastro. Entre os critérios avaliados está o de integridade, que consiste na avaliação das informações sobre reputação, idoneidade e práticas de combate à corrupção. Do mesmo modo, todos os funcionários das empresas contratadas que prestam serviço para a Petrobras estão sujeitos a deveres e direitos previstos em nossos normativos sobre conformidade.

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