Camila Soares juntou marketing, antropologia e uma base tecnológica forte para profissionalizar a filantropia
Gerar impacto social positivo pode ser muito lucrativo e uma boa opção de carreira profissional, de acordo com Camila Soares, fundadora da Impacto, um híbrido de organização social com plataforma de negócios sustentáveis. Formada em marketing com especialização em antropologia, ela juntou a tecnologia para profissionalizar a filantropia. Em seis anos, captou mais de R$ 2 milhões para apoiar projetos sociais no Brasil, segundo ela com impacto cinco vezes maior.
“Um modelo de negócio como o nosso é altamente impactante, ou seja, os nossos números de impacto são muito superiores às nossas receitas. Mas é um negócio muito lucrativo. Quero dizer: estou enchendo o meu bolso de dinheiro? Não, eu recebo um bom salário para trabalhar, o meu time tecnológico recebe um excelente salário para trabalhar”, afirma.
Camila rodou muito até decidir empreender, usando a tecnologia para potencializar seus conhecimentos. Antes de criar a Impacto, trabalhou numa startup do Vale do Silício, nos Estados Unidos, lidou com projetos sociais em favelas e áreas rurais no Brasil, além de campos de refugiados na Jordânia, no Haiti e em tribos e aldeias na Guatemala e do México.
Leia, a seguir, a entrevista completa com Camila Soares.
Integridade ESG – O que é a Impacto e como ela se diferencia das ONGs que também fazem a ponte entre os doadores, o dinheiro e os necessitados? É o uso da tecnologia?
Camila Soares – É, sim, o uso da tecnologia para a geração do máximo de impacto possível com a inteligência de dados. Temos hoje, no mundo, muitos problemas que poderiam ser resolvidos através de inteligência de dados, mas não conseguimos porque não sabemos o que de fato precisa ser feito. A Impacto faz a ponte entre as pessoas que têm vontade de fazer algo social – seja doar seu tempo, seu conhecimento, suas habilidades ou seu dinheiro – e os projetos sociais na ponta, demonstrando com transparência para onde vão esses recursos e qual o impacto gerado por eles.

Integridade ESG – A Impacto é uma ONG?
Camila Soares – A Impacto tem uma formação híbrida: uma empresa de tecnologia, que desenvolveu a plataforma Impacto, e o Instituto Impacto, que é por onde vêm as doações das empresas e das pessoas que trabalham nas empresas.
Integridade ESG – Por que duas figuras jurídicas?
Camila Soares – Porque não existe negócio social no Brasil. Ou existe uma empresa ou existe a filantropia. Em outros países, como nos Estados Unidos, por exemplo, você pode abrir uma benefit Corporation. Aqui, não. Lá, há benefícios para fazer impacto. Benefícios fiscais, inclusive. Então, a gente se dividiu e fez esse híbrido, para conseguir juntar as duas coisas e fazer melhor uso possível dos recursos doados, com transparência.
Integridade ESG – Vocês são facilitadores?
Camila Soares – É como se fosse um tradutor, entre as pessoas que produzem o recurso financeiro e intelectual e as instituições filantrópicas que precisam, necessariamente, desses recursos para resolver problemas grandes dentro das comunidades ou no país como um todo. Então, fazemos a ponte entre quem quer doar e não sabe como ou tem dúvidas: se eu fizer uma doação, para onde os recursos vão? E, do outro lado, a instituição filantrópica que precisa de mais estrutura na sua gestão, na comunicação e mensuração de resultados. As empresas também precisam se integrar à nova onda do ESG, que não é uma moda. É algo fundamental adaptar a governança, melhorar as práticas de trabalho e o impacto ambiental e social. A Impacto também faz isso. Se a empresa ainda não tem o ESG dentro de casa, a gente ajuda a fazer. Se já tem, a gente ajuda a quantificar e estruturar.
Integridade ESG – Além de captação, facilitação e intermediação, é uma consultoria ESG?
Camila Soares – Isso tudo isso que você acabou de falar está dentro de uma plataforma e essa plataforma tem uma área onde a empresa doadora pode ver um dashboard com informações para onde foram os recursos, quais os impactos que gerou, quais os colaboradores de que área se engajaram mais no voluntariado etc. Ela pode também acompanhar projetos de editais ou algo que ela já tenha desenvolvido anteriormente, para saber o que aconteceu no passado e o que quer projetar para o futuro. Pode, por exemplo, incluir no orçamento anual, incluir uma linha de investimento social corporativo com consciência de qual impacto está gerando, com o compliance satisfeito de que sabe o que está acontecendo com aquele dinheiro. A empresa pode ver o que está acontecendo estruturalmente com o recurso ESG e fazer campanhas que engajam mais os colaboradores. Os colaboradores têm uma área deles, uma espécie de rede social do impacto, onde as campanhas que foram criadas ou os projetos ciados pelas ONGs aparecem. O grande diferencial é o meet making: quais as causas que têm mais a ver com você, em que local etc.; para fazer o impacto que deseja, qual o tamanho de ticket que você pode doar na direção dos ODS da ONU, por exemplo.
Integridade ESG – Como transformar esse tipo de atividade do bem em um negócio lucrativo?
Camila Soares – É fundamental, na minha perspectiva, a combinação de negócio sustentável e geração de impacto. No passado, existia uma dúvida sobre como remunerar bem os profissionais que trabalham em projetos sociais. As lideranças dos projetos sociais eram malvistas se recebiam salários ou recebiam bons salários. Hoje, existe uma migração de carreira, de pessoas que querem trabalhar com causas que gerem impacto positivo na vida de outras pessoas e delas mesmas. Eu, por exemplo, saí do mercado tradicional há 15 anos e vim trabalhar numa ONG. Isso mudou a minha vida completamente. Mas preciso pagar as minhas contas, assim como as pessoas que criam a tecnologia. A máxima de que não é legal ser bem remunerado está mudando completamente. A tecnologia nos ajuda muito: a validar um produto que tem escala, que consegue provar os seus resultados com dados claros. Isso faz muita diferença na filantropia e no investimento social, privado e corporativo, saber para onde o dinheiro foi.

Integridade ESG – Negócio do bem pode dar lucro, então?
Camila Soares – Um modelo de negócio como o nosso é altamente impactante, ou seja, os nossos números de impacto são muito superiores às nossas receitas. Mas é um negócio muito lucrativo. Quero dizer: estou enchendo o meu bolso de dinheiro? Não, eu recebo um bom salário para trabalhar, o meu time tecnológico recebe um excelente salário para trabalhar. E a gente capta recursos financeiros de investidores que têm vontade de fazer negócios positivos para a sociedade. Tem muita gente que construiu negócios incríveis, os investidores “anjos” ou venture capitals realmente focados em impacto. Estão buscando projetos sérios para escalar. amos, inclusive, saindo de uma fase piloto, com poucas empresas que acessam, para abrir para empresas de todo o Brasil, pagando uma licença mensal para usar o software ESG. Esse é o modelo de negócios que faz com que a Impacto parem em pé e seja sustentável. Em paralelo, cerca de 10% das doações voltam para a manutenção da plataforma, para a gestão da própria Impacto e para os parceiros operadores que, por exemplo, fazem a curadoria das ONGs, ou aqueles que fazem a mensuração de impacto de forma científica. Tem toda uma economia, dentro desse ecossistema, que tem custo.
Integridade ESG – A plataforma pode ser acessada por qualquer pessoa?
Camila Soares – São três entradas. De um lado, as empresas pagam para usar a licença. Elas compram o software e têm acesso a uma área customizada, com as mensagens que queiram com as cores da sua marca etc. A empresa pode convidar os colaboradores ou um grupo específico para entrar na sua área dentro da plataforma e ver as campanhas disponíveis, de maneira que possam participar como voluntários ou doadores de dinheiro. E a empresa também pode usar a plataforma como ferramenta para ações de RH: as pessoas que se engajarem em uma campanha para construir casas, por exemplo, podem ganhar dias de férias, cursos etc. Tanto a empresa quanto o colaborador podem participar, mas o foco na empresa foi estratégico.
Integridade ESG – O que motiva as doações?
Camila Soares – No primeiro ano da plataforma, a gente ficou muito focado nos indivíduos, nas pessoas físicas, para entender profundamente o doador como um cliente. O que faz essa pessoa doar? Por que ela não doou? Está difícil usar? O botão está no lugar errado? Essa causa não é tão específica, não é o que ela gostaria? A gente entendeu que, apesar de 66% dos brasileiros serem doadores, eles precisam de uma motivação para doar. E essa motivação a empresa traz, porque dentro do horário dela de trabalho, a pessoa tem o seu foco, poucas horas no dia para muita coisa. Se, dentro do trabalho, estimulado a fazer algo social, isso se contabiliza positivamente para você, por que não fazer? Essa estratégia de ir através da empresa é algo que beneficia todo mundo e nos ajuda a alcançar a nossa meta principal, a nossa missão, que é democratizar o acesso à doação e ao investimento social privado.

Integridade ESG – Num mundo em crise, tem dinheiro para isso?
Camila Soares – As crises aparecem de quando em vez aqui na nossa jornada, mas se, de forma inteligente, buscamos saber a demanda, o dinheiro aparece. Num mercado que precisa necessariamente resolver grandes problemas, como no Brasil, se você consegue explicar estrategicamente que existe retorno, as pessoas passam a prestar atenção. Não é fácil encontrar quem de verdade quer fazer um investimento, construir e gerar um impacto, porque este é um mundo muito novo. A tecnologia gera impacto em escala. Isso é algo muito novo. Antes, quando a Impacto não era uma ferramenta tecnológica, eu tinha dificuldade de explicar porque é tão importante tirar o dinheiro do bolso e ajudar um projeto.
Integridade ESG – Então vocês começaram como ONG que migrou para a Tecnologia?
Camila Soares – A pesquisa de campo profunda, entender se aquela tecnologia estava gerando um impacto na vida daquela pessoa, daquela organização, é a parte mais importante. O negócio, por si, fica de pé, mas qualquer negócio tecnológico pode ficar. A questão é se está, de fato, gerando impacto. Nessa onda tecnológica tão importante que a gente está vivendo agora, em que estamos aprendendo a lidar com tanta potência, que essa potência sirva para fazer o bem e nos unir.
Integridade ESG – O software está em fase piloto?
Camila Soares – Tenho 15 anos de carreira no ESG e a Impacto tem seis anos de existência. Era um ecossistema voluntário e de pesquisa de campo. A união entre as duas partes foi muito clara para a gente. Primeiro, aprendemos a fazer o piloto da plataforma para as pessoas, físicas e, depois, para as pessoas jurídicas. Saímos do B to C, para o B to B to C. Estamos aprendendo profundamente com empresas que são médias e muito grandes, que têm de 500 pessoas a 7 mil pessoas. A plataforma tem três anos e não é um piloto tecnológico. O piloto é fazer com que a ferramenta pronta deixe as empresas e as pessoas 100% satisfeitas.
Integridade ESG – Vocês trabalham só com projetos sociais ou também ambientais?
Camila Soares – Projetos sociais e ambientais, projetos de todas as naturezas. Ao longo de seis anos, já passaram por aqui mais de R$ 2 milhões em doações. Os impactos gerados são cinco vezes maiores do que o volume de capital que a gente levantou. Também tivemos quase 400 voluntários, contando com o período da pandemia, em que aumentou bastante o número de pessoas. Hoje, com a plataforma, temos cinco empresas usando o software, com 500 a mil pessoas ativas. A projeção é chegar a 120 empresas até 2027 e 200 mil pessoas. Nesse momento, estamos focando mais nas médias e de grande porte, mas depois a ideia é democratizar para as pequenas, com um tíquete possível dentro do orçamento delas.
Fotos de arquivo pessoal: Camila Soares na Índia, México, Guatemala e Haiti