Brasil é estratégico para a diversificação agroalimentar global, mas sistema financeiro precisa estar presente, alertam especialistas no segundo dia do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas
Ruim para a saúde do homem, prejudicial para a biodiversidade. O tema da monotonia alimentar, muito falado entre nutricionistas e desconhecido da maioria da população global, ganhou o centro das atenções no segundo dia do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, que alertou para a importância de se repensar e estimular o sistema agroalimentar que, por conta da mesmice, avança nas emissões de gases de efeito estufa e na erosão global da biodiversidade. Esse cenário se acentuou com o avanço da homogeneização dos padrões globais de produção e consumo, com a supremacia dos alimentos ultraprocessados e também com os riscos ambientais e geopolíticos da produção agropecuária.
Dado o fato de o Brasil ser um gigante na produção e exportação de itens do agronegócio, setor que responde por um quarto do PIB brasileiro, o país deve assumir a dianteira no processo de transformação do sistema agroalimentar global na Cúpula do G20. Em outras palavras, diante da chamada revolução verde, Ricardo Abramovay, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e do PROCAM/IEE/USP, e um dos principais painelistas do tema, defende que o Brasil lidere o plano de transformação ecológica. Emergem questões como o fato de 70% dos antibióticos produzidos no mundo serem voltados para a produção animal. Problema que, segundo ele, cria um fenômeno de resistência aos antimicrobianos, expondo a sociedade a vírus e bactérias.
“Não é só o Brasil verde, temos que pensar no mundo verde. E o mundo é o nosso mercado. Podemos fazer coisas verdes e obter lucro. É uma questão de planejamento”
Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda
A mesmice pode ser rapidamente traduzida em números. Hoje, 76% das calorias em média consumidas pelo homem vêm de apenas seis produtos.
“É um problema do sistema agroalimentar global a ser abordado pelo G20. Precisamos de uma transformação sistêmica. Com o avanço dos eventos climáticos, isso se agrava. Antes tínhamos sete dias de calor extremo por ano, agora são 52. Fora a erosão da biodiversidade”, afirmou Abramovay.
Transformação ecológica pede financiamento para resolver gargalos nas áreas rurais
Abramovay lembrou que parte do entrave vivido é de responsabilidade do setor financeiro.
“Muita gente nem tem acesso à conta bancária. É papel dos bancos combater os grandes gargalos em áreas rurais onde só tem o Banco do Brasil. As outras instituições financeiras não estão presentes lá, e vejo como uma oportunidade”, afirma o professor.
Para Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda e hoje diretor de Estratégia Econômica e Relações com mercados do Banco Safra, os banqueiros devem atuar como ativistas climáticos, colocando o sistema financeiro brasileiro na dianteira dessa mudança.
Não é só o Brasil verde, temos que pensar no mundo verde. E o mundo é o nosso mercado. Podemos fazer coisas verdes e obter lucro. É uma questão de planejamento”.
Diversificação do agro é solução para promover transição ecológica
Nesse cenário de transição ecológica, o professor lembra que uma das vantagens do Brasil é entregar produtos sustentáveis no qual o mundo conhece mais de sete mil plantas comestíveis, mas só cultiva por volta de 400. Para acentuar a situação, apenas 15 produtos respondem por 90% da alimentação humana e quatro deles (arroz, soja, milho e trigo) por cerca de 60% do total.
“Por volta de 55% da economia agrícola está baseada em um produto. A soja sozinha corresponde a 51% do crédito agrícola. Se combinada ao milho, esse valor sobe para 70%”, observa.
Também presente no painel, o governador do Pará, Helder Barbalho, acrescentou que seu estado tem o olhar voltado para a agricultura familiar e a diversidade.
“Nós partimos do princípio de que o Pará não precisa derrubar uma árvore sequer para continuar sendo protagonista do processo de segurança alimentar, valorizando nosso estado na produção de alimentos”, afirmou.
E acrescentou que o Pará já é líder no cultivo de açaí, abacaxi, dendê, mandioca, cacau e pimenta do reino.
“Temos uma diversificação de cultivo assim como temos incremento de novas culturas de cultivo e rastreamento. A comunidade ribeirinha tem uma cultura gastronômica que gera cultura diária.”
Parque de Bioeconomia no Pará será lançado na COP para acelerar economia verde
O mundo olha para a Amazônia e a Amazônia olha para a Economia Verde. No painel Amazônias, limites planetários e as finanças da natureza: contribuições regionais para a melhoria da qualidade de vida local e a segurança climática global, o governador paraense Helder Barbalho disse que o momento é estratégico e antecipou que o Parque de Bioeconomia e Inovação da Amazônia está sendo implementado.
“Nós temos que entender que a sustentabilidade ambiental só será viável se passar por uma nova economia e que seja a economia da floresta, a economia verde, a economia de carbono. Nosso desafio é como escalar isso e apanhar todos os envolvidos – sociedade local e preservação do meio-ambiente” afirmou.
Previsto no Plano Estadual de Bioeconomia (PlanBio), o Parque é pioneiro no Brasil. O projeto foi lançado há pouco mais de um ano pelo governo do Pará e engloba várias iniciativas, incluindo a Escola de Saberes da Floresta, um Centro de Turismo de Base Local, o Espaço de Bioeconomia e Inovação, o Observatório da Bioeconomia, o Centro de Cultura Alimentar e o Centro de Sociobioeconomia. Cada um desses componentes desempenha um papel específico na promoção de uma economia sustentável e na preservação do patrimônio natural e cultural da região.
Ambicioso, o projeto que deve ficar pronto para a COP30 visa acelerar a transição da economia paraense para uma dinâmica de baixas emissões de carbono. Com uma série de empreendimentos planejados, e já com a execução da obra em andamento, o local tem como objetivo principal impulsionar no estado sede da Conferência do Clima de 2025 a agenda de soluções baseadas na economia verde.
Foto: Marcelo Camargo da Agência Brasil