ESG das marcas patrocinadoras da Copa

por | nov 23, 2022

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Contradições e compromissos ESG das empresas apoiadoras do megaevento esportivo

Por Daniel Murray Chaves*

O ano de 2022 já está marcado por grandes eventos na história da humanidade. A retomada das interações sociais no cenário pré-pandêmico, o conflito russo-ucraniano, a morte da rainha mais longeva do Reino Unido e a Copa do Mundo de Futebol no Catar são exemplos da magnitude dos acontecimentos de 2022. Tais acontecimentos impactaram diversos setores econômicos e, consequentemente, seus stakeholders ao redor do mundo.

Observamos um posicionamento contundente de empresas e figuras públicas em conflitos geopolíticos. E vemos o mesmo acontecer no âmbito do esporte e meio corporativo, agora com a Copa do Mundo.

A retração generalizada da economia, ocasionada sobretudo pelos efeitos das crises sanitária e bélica, congelaram investimentos e retiveram avanços. Ainda assim, em termos de finanças sustentáveis e sustentabilidade, vem prevalecendo a ideia de que a retomada dos negócios deveria ser pautada pela visão de longo prazo, somada a propósito, o que ficou evidente diante do crescimento da agenda ESG no Brasil e no mundo.

Ao passo que grandes marcas como Visa, Coca-Cola, Budweiser e McDonald’s, suspenderam suas atividades no território em conflito, essas também são patrocinadoras oficiais da Copa do Mundo de futebol masculino do Catar. As suspensões de operações na Rússia foram justificadas, majoritariamente, por uma preocupação com os direitos humanos violados em situações de guerra, apesar de especialistas em geopolítica afirmarem que tais medidas podem ter sido motivadas pelo medo de as empresas não conseguirem receber suas receitas auferidas na Rússia.

O título de patrocinador oficial de eventos esportivos é alvo de disputas icônicas.  Historicamente, o futebol já esteve no centro desta polêmica, quando a operadora de pagamentos Mastercard foi indenizada em 45 milhões de libras esterlinas pela FIFA após imbróglio judicial envolvendo o fim do contrato de patrocínio. Outro caso relevante envolveu a operadora de telecomunicações AT&T e a Nascar, entidade que organiza campeonatos de automobilismo principalmente nos Estados Unidos, quando a operadora tentou patrocinar um dos competidores. Contudo, este patrocínio acabaria por interferir na exclusividade acordada com o patrocinador oficial da Nascar à época, a concorrente Nextel, gerando assim um processo em face da AT&T pela Nascar de aproximadamente 100 milhões de dólares.

Nesta edição do campeonato mundial de futebol, os 64 jogos serão transmitidos para praticamente todo o planeta, um universo de aproximadamente três bilhões de pessoas admiradoras da modalidade. Além deste vultuoso número de espectadores, a partida final do torneio conta com registros elevados de audiência. A final da Copa do Mundo de 2014, segundo estimativas da FIFA, foi vista simultaneamente por mais de um bilhão de pessoas. Já a Copa seguinte, realizada na Rússia, atraiu 1,12 bilhão de telespectadores apenas para a sua final, e agregou em todas as partidas um total de 3,5 bilhões de pessoas assistindo por televisores.

Após tratar das motivações para se ter a marca exposta em todas as partidas e filmagens oficiais do evento, cabe tratarmos resumidamente sobre o país-sede.

O Catar foi governado pela falecida Rainha Elizabeth II, por tratar-se de uma colônia britânica até 1971. Sua independência foi marcada por um golpe de estado, que levou a família Al Thani de volta ao poder do país, sendo hoje Tamim bin Hamad Al Thani o emir do Catar (a principal autoridade), num modelo de monarquia absolutista, sem partidos políticos ou parlamento. A economia catari tem grande relevância global, dado que o país é o principal exportador de gás natural do mundo e é um forte produtor de petróleo. Outro ponto relevante do país é o conglomerado de mídia Al Jazeera, que é respeitado mundialmente pelo jornalismo, apesar de raramente criticar o governo do Catar, dado seu patrocínio estatal.

Com fama de um país moderado, o Catar se mostra capaz de conciliar atritos entre partes interessadas do Oriente Médio e tem vasto investimento no futebol internacional, contribuindo assim para uma boa imagem externa. Contudo, como dito anteriormente, no país não é permitida a organização de cidadãos em partidos políticos e a homossexualidade é considerada crime, uma vez que seus códigos civil e penal são estritamente ligados à religião oficial do país, a vertente sunita do islamismo.

Há uma polêmica que envolve a realização da Copa do Mundo no Catar. Em um campeonato desta magnitude, com 32 seleções disputando, faz-se necessária uma infraestrutura de estádios relevante. Os jogos estão sendo sediados em oito estádios, com capacidade entre 40 e 80 mil torcedores, sendo que sete destes equipamentos esportivos são novos, construídos exclusivamente para a realização do torneio. Diversos desses projetos arquitetura são assinados por escritórios ocidentais renomados e alguns são dotados de estruturas sustentáveis, como o uso de contêineres recicláveis, painéis fotovoltaicos e sistemas de climatização propícios para o clima da região.

Apesar das boas práticas ambientais e dos questionáveis aspectos de governança estatal, a temática mais preocupante no que tange à ótica ESG da Copa do Mundo de Futebol masculino de 2022 é a questão social. Em especial, já foram feitas críticas severas às práticas sociais envolvendo os trabalhadores da construção dos estádios e a criminalização da homossexualidade no país.

Em 2021, o jornal inglês The Guardian publicou uma extensa reportagem, na qual afirmou que desde o início das obras para a realização da Copa foram registradas pelo menos 6,5 mil mortes de trabalhadores. Estas mortes foram descritas como “naturais” perante a organização e o governo catari, dificultando assim eventuais investigações de órgãos independentes. O jornal também afirma que a maior parte da força de trabalho catari é formada por imigrantes vindos de regiões miseráveis de países vizinhos ou próximos, como o Paquistão, Índia, Sri Lanka, Nepal e Bangladesh. Estes trabalhadores foram sujeitos a jornadas de trabalho exaustivas, uma vez que a sensação térmica na região pode passar dos 50 graus Celsius. Além disso, há registros de que o regime de trabalho é considerado de semiescravidão segundo o jornal britânico, tendo sido a afirmação respaldada por organizações como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Estes relatórios foram alvo de críticas por conta de questões metodológicas, contudo, é importante pontuar neste artigo a problemática envolvendo direitos trabalhistas e sociais.   

Em relação aos direitos de pessoas homossexuais no país, o código penal do Catar prevê pena de reclusão, por três anos, se a pessoa for homossexual. Dada esta legislação, foram realizadas diversas manifestações contrárias à realização da Copa no país, com atividades promovidas em jogos de seleções participantes, como a Alemanha e a Dinamarca. Em 2021, o comitê organizador da Copa afirmou que a comunidade LGBTQIA+ será acolhida no país, desde que sejam evitadas as demonstrações públicas de afeto. Ou seja, estrangeiros homossexuais terão seu direito individual de manifestar seu afeto publicamente cerceado em prol dos costumes cataris.

Dado este cenário de inaceitáveis violações de direitos humanos, com vasta documentação de sofrimento entre trabalhadores desde 2014, seria razoável presumir que restam dúvidas a respeito do financiamento do evento por parte dos patrocinadores. Parte destes, ao suspender ou terminar suas operações em solo russo, evocaram diversas justificativas pautadas no respeito aos direitos humanos e ética empresarial, tendo resumidamente dito que os valores das companhias não se faziam representados no território russo. Estas causas, quando analisadas por uma lente mais atenta ao grau de tolerância, nos faz perceber que é possível estarmos diante de um hiato entre locais e circunstâncias, nas quais estas justificativas serão ou não aplicáveis às operações em determinado país.  

A Rússia, com seus mais de 145 milhões de cidadãos, e suas políticas questionáveis perante as lentes ocidentais, não foi mais considerada como um mercado necessário para este grupo de empresas. Com a bola já em campo, a expectativa das nações com os campeonatos e seus torcedores, segue o questionamento sobre a relevância deste evento para a agenda de sustentabilidade dessas empresas patrocinadoras.

Após essa discussão de eventuais contradições no posicionamento das empresas, percebemos que há espaço e necessidade para reflexões e discussões sobre os contratos de patrocínio assinados e os compromissos ESG. Há riscos de o torneio perder seus patrocinadores, ou esta será uma pauta para os próximos eventos? A próxima sede da Copa do mundo masculina será dividida entre Canadá, México e Estados Unidos, que contam com uma série de controvérsias relacionadas a direitos humanos. Podemos, assim, esperar discussões interessantes sobre compromissos ESG de patrocinadores.  

*Mestre em Ciência Política, consultor ESG da NINT,consultoria ESG líder na América Latina e Caribe

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