Agenda ESG redefine práticas e impacta saúde mental no mundo da advocacia

por | set 13, 2023

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Tema foi debatido por especialistas no evento “ESG e Advocacia: Redefinindo as Práticas Jurídicas para um Mundo Sustentável”

Suicídio, burnout e assédio moral e sexual sempre foram um tabu. Um mal que percorre sorrateiramente corredores de corporações poderosas ao redor do mundo, a exemplo dos escritórios de advocacia. Advogados têm duas vezes mais probabilidade de cometer suicídio em comparação a outros adultos americanos, alerta o estudo Stressed, Lonely, and Overcommitted: Predictors of Lawyer Suicide Risk, de janeiro de 2023.

A advogada e conselheira do IBGC, Claudia Pitta, reclama de práticas do mundo do Direito, como pedir às 22h revisão de um processo de 300 páginas para a manhã seguinte

Pesquisadores entrevistaram quase dois mil advogados da Califórnia e do Distrito de Columbia sobre saúde mental, carga excessiva de trabalho e até mesmo sobre o uso de substâncias ilegais para o estudo publicado pela revista Healthcare. O assunto é tão preocupante que 66% dos advogados ouvidos atribuíram seus pensamentos suicidas ao tempo vivenciado no meio jurídico. E 46% afirmaram que pensam em largar a profissão por estresse ou esgotamento. Esse não é o primeiro e muito provavelmente não será o último estudo sobre a toxicidade dos escritórios de advocacia e seus efeitos colaterais. No Brasil, a página de Instagram @escritoriosexpostos foi criada para denunciar e alertar o setor.

Camila Goldberg, sócia-gestora do BMA, fundado por mulheres:
“Quando pensamos na parte social, pensamos na questão da igualdade de gênero e racial”

A boa notícia é que o cenário começa a mudar gradativamente com a ascensão de uma sigla curta, mas de extrema relevância: ESG. O tema foi o foco do evento ESG e Advocacia: Redefinindo as Práticas Jurídicas para um Mundo Sustentável, realizado pela Associação dos Advogados (AASP), em parceria com a Comissão Nacional de Relações Internacionais da OAB Nacional, na capital paulista.

“Com certeza, o ESG tem mudado essa realidade. Mas, como debatemos no evento, temos que avançar muito ainda no que diz respeito à saúde mental. Escritórios de todos os portes precisam ter um olhar cada vez mais atento e criterioso para esse tema. Essa questão tem um regime de urgência, com a implantação de políticas claras sobre a saúde mental dos seus colaboradores, principalmente após a pandemia”, afirma Eduardo Foz Mange, presidente da AASP, hoje com 75 mil advogados associados.

Embora questões como neutralização da pegada de carbono, reciclagem e eficiência energética façam parte da realidade de vários escritórios, foi o S de Social que literalmente colocou a advocacia no divã. Questões como saúde mental ganham relevância na área acostumada com rotinas pesadas, viradas de noite e prazos para ontem. Para fortalecer o S, há escritórios costurando parcerias com hospitais, psicanalistas e psicólogos com o intuito de compreender e cuidar da saúde mental dos advogados.

Mercado exige cada vez mais profissionais com habilidades emocionais, além de técnicas, ressalta Fernando Meira, sócio-gestor da Pinheiro Neto Advogados

“Nós não exigimos demais das pessoas, mas os clientes com seus casos complexos e prazos exíguos que demandam cada vez mais profissionais qualificados e com inteligência emocional, conhecimento técnico e preparo para trabalhar em equipe em prazos curtos”, observa Fernando Meira, sócio-gestor da Pinheiro Neto Advogados.

Mas para Meira, tais exigências não são constantes, pois, caso contrário, não teria tanta gente no escritório fazendo carreira.

“São mais de 200 pessoas com mais de 25 anos de escritório. Alguns com 40, 50 anos”, conta o advogado.

A falsa urgência faz parte de uma cultura que precisa mudar

A pesquisa de clima, um dos maiores atributos do escritório, revela um ambiente saudável. E essa questão faz parte do ESG, tema estratégico para os escritórios, garante Meira.

“É inaceitável qualquer diretor, vice-presidente pedir às 22h a revisão de um processo de 300 páginas para ser entregue às 8h da manhã seguinte. Costuma-se tratar isso como normal, pois é sempre difícil dizer a um cliente que não dá”,

Claudia Pitta, professora de Ética Organizacional e ESG, conselheira de administração do IBGC e fundadora da Evolure Consultoria.

Para a especialista, trata-se de práticas que afetam o meio e que demandam uma educação urgente.

Camila Goldberg, sócia-gestora do BMA, acrescenta que, muitas vezes, essas urgências são legítimas, mas outras não. E alerta para a importância de os sócios/líderes enxergarem essa “falsa urgência” para negociar com o cliente e também conscientizar os sócios e líderes a enxergarem essa “não urgência”.

Muitas vezes, a demanda fica parada dias no cliente e retorna com urgência da noite para o dia no prestador de serviço jurídico. Trata-se de uma questão cultural que precisa mudar, assim como a real compreensão do termo ESG.

“ESG e performance não são totalmente excludentes. ESG não é papo de ativista”, ressalta Alessandra Lehmen, membro da Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem (CEMCDA/OAB).

Há ainda escritórios que acreditem que ESG é pro bono. Os empecilhos para os escritórios de advocacia abraçarem o ESG, porém, são mais culturais e estão sendo revisitados.

“Estamos avançando no meio jurídico, assim como em diversas camadas da sociedade. E as oportunidades estão por todas as partes. Os escritórios menores, por exemplo, que conseguem desenvolver uma política ESG mais clara, também acabam tendo vantagens competitivas, pois hoje muitas empresas exigem essas práticas dos seus prestadores de serviço. Esse escritório certamente terá um diferencial competitivo no mercado”, acredita Mange.

Agenda da igualdade de gênero e racial avança nos escritórios

Para Camila, do BMA, escritório fundado em 1995 por advogadas, enfatiza a relevância da questão da inclusão no setor.

“O que a gente tem de mais importante em escritórios de advocacia são as pessoas. Quando pensamos na parte social do escritório, pensamos na questão de igualdade de gênero e racial”, afirma.

Atualmente, 41% da sociedade do BMA está nas mãos de profissionais mulheres e 58% dos integrantes são do sexo feminino.

“Mesmo assim, a gente não para de pensar no que é importante para as mulheres desenvolverem suas atividades no escritório”, explica Camila.

Ela ressalta ainda a importância de não se esquecer as experiências passadas (vividas e sofridas pelas advogadas mais experientes na década de 1990) para ajudar a nova geração de associadas. Há um grupo no escritório chamado BMA Mulher, que ajuda a pensar nas políticas femininas.

“Não podemos cair na armadilha de dizer que, se a gente conseguiu, elas conseguem. Devemos dar oportunidade para as mulheres”, comenta.

Diversidade também é um tema tratado pelo BMA que foca em questões como o aumento da entrada de profissionais negros no escritório. O Brasil, ressalta Camila, é um país multirracial. Por isso, o escritório defende ações afirmativas, a exemplo do compromisso de contratar um número de profissionais negros por ano, começando pela base (estágio).

“Inclusão não é a gente chamar para a festa, inclusão é chamar a pessoa que está na festa para dançar”, defende Camila.

Originário do mercado financeiro, o termo ESG já entrou no radar da maioria dos escritórios de advocacia do país.

“Todos os grandes escritórios estão muito atentos a isso e, cada vez mais, esta é uma realidade importante para os escritórios de todos os portes. A maioria tem buscado atualizar suas práticas, rever conceitos e buscar mais informações sobre o tema”, conclui Mange.

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