Diretor de Integridade da Nova Engevix, Adjair da Cunha Santos, revela detalhes sobre a agenda de governança da construtora
Uma das maiores empreiteiras do país, a Engevix tinha um faturamento anual na casa dos R$ 3 bilhões nos anos em que o Brasil figurava como sétima economia do planeta. A partir das primeiras batidas dos agentes da Operação Lava-Jato à porta da sede de Barueri (SP), a empresa se viu diante de uma hecatombe que ameaçou sua própria existência. Teve sócios presos pela Polícia Federal, vendeu ativos, como a subsidiária de energia Desenvix, e encolheu para menos de um terço do tamanho que tinha.
A partir de 2016, no entanto, a empresa decidiu inaugurar uma nova era, deixando para trás a falta de transparência. Criou um departamento de integridade, mapeou riscos, estabeleceu políticas robustas, criou um canal de denúncias e engajou os dois mil colaboradores por meio de uma comunicação dinâmica direcionada pelo compliance. De volta à lista de possíveis fornecedores da Petrobras, a Nova Engevix mudou de nome, mas pretende chegar à antiga forma.
Em entrevista ao portal Integridade ESG, o diretor do departamento de Integridade da Nova Engevix, Adjair da Cunha Santos, revela em detalhes como foi o processo de implantação das políticas de transparência. Advogado da empresa que acompanhou o acordo de leniência junto à CGU, em 2019 ele também falou sobre as lacunas jurídicas da Operação Lava-Jato, que acabou impulsionando a nova política de governança no setor.

“Para nós, que pagamos um alto preço por não ter um programa de integridade, entendemos que o custo de implantação vale a pena e é muito menor do que o custo de um desvio de conduta que pode ser gerado”
Leia, abaixo, a entrevista completa.
Integridade ESG — Em que ano a Nova Engevix instituiu, pela primeira vez, uma área de compliance?
Adjair da Cunha Santos — No final de 2016, tomamos a posição de criar uma área de integridade. Para tanto, convidamos profissionais do mercado para criar um comitê consultivo a fim de nos guiar nessa implementação. No início de 2017, criamos o comitê e iniciamos esse trabalho de implantação e estruturação.
Poderia detalhar quais foram os primeiros passos?
Adjair da Cunha Santos — Entre 2017 e 2018, contratamos uma empresa para executar o mapeamento dos riscos de integridade, a classificação dos mesmos e suas mitigações. Para tanto, convidamos todos os gestores, profissionais de compra, todos os que tinham um relacionamento com o Poder Público. Foi realizado um diagnóstico do posicionamento dos diretores, com o qual pudemos segmentar essa área. Trouxemos alguns profissionais do grupo, da área de sistema de gestão integrada, que cuida das normativas ambientais e de segurança do trabalho. No início de 2019, fui convidado a participar desse projeto. Eu já estava aqui na empresa como advogado, atuando nos processos da Operação Lava-Jato. Já conhecia todo o histórico.
A partir de então, passamos a editar políticas e recomendações, a ter um código de ética mais bem estruturado e essa construção completa, conforme deve ser um programa de integridade.
Poderia nos contar como foi a sua atuação junto à força-tarefa da Lava-Jato?
Adjair da Cunha Santos — Eu era advogado da coordenação da área contenciosa da Engevix. Surgiu a Lava-Lato, que começou a bater na nossa porta. Acompanhei a Polícia Federal em investigações. Passei a conduzir todos os casos, junto com outras bancas. Tivemos processos relacionados a ex-sócios, ex-diretores, que se desdobraram em outras searas, como TCU, Cade, Receita Federal. Eu estava na coordenação, desde o início, até chegar aos acordos com as autoridades.
A Nova Engevix assinou o acordo de leniência com a CGU há três anos. O caso é considerado encerrado?
Adjair da Cunha Santos — Em 2019, conseguimos fechar o acordo de leniência com a CGU e encerrar diversos assuntos, principalmente em relação à improbidade que tramitava em Curitiba. Estamos ainda com pendências no Cade, pois não temos unicidade em aplicar sanções e acordos junto a todos os órgãos. É um desafio que nós enfrentamos e que outras empresas enfrentam.
O passo a passo do programa de Integridade da Nova Engevix
Primeiro passo: Contratação de uma empresa para realizar o mapeamento de todos os riscos de integridade, sua classificação e suas mitigações.
Segundo passo: Construção e implantação das políticas e normativas após o conhecimento dos riscos.
Terceiro passo: Reelaboração do código de ética da empresa, que datava de 2015.
Quarto passo: Revista de todos os sistemas de informática, como compras, de pagamento, de participação em licitações. Criação de controles para que a área de compliance acompanhe tudo sobre pagamentos, contratação de fornecedores e demais processos.
A reorganização das estruturas societárias atendeu aos novos procedimentos internos de integridade e governança, inclusive a criação da holding Nova Participações?
Adjair da Cunha Santos — Antes de 2016, a empresa tinha uma holding chamada Jackson, que controlava a Engevix Engenharia, a Engevix Construções e outras empresas. Com a compra e venda da Jackson em 2016, iniciamos uma reestruturação. A holding passou a ser Nova Participações e dentro dela criamos um conselho de administração e um comitê independente de integridade, renovamos toda a diretoria, afastamos pessoas envolvidas em fatos investigados, promovemos profissionais que já estavam na casa e contratamos outros para o nosso time. Com essa renovação, demos início a novos processos para ter transparência. Toda essa mudança foi norteada por um conselho, pela unicidade dos sócios. Estabelecemos a governança com a criação de novos órgãos e processos. Dos sete membros do conselho, quatro são independentes do mercado. Uma cadeira também pertence à diretoria de integridade. Criamos esses pesos para melhorar e dar transparência a essa governança.
Como funciona o departamento de integridade que você dirige?
Adjair da Cunha Santos — Atua sob três pilares: prevenção, detecção e remediação de descumprimentos de condutas éticas. Dentro da prevenção, indica políticas e normativos e realiza os treinamentos, de acordo com um calendário anual: desde a alta, média e a baixa gestão, até os profissionais de campo. É responsável, ainda, pelas auditorias.
Dentro da detecção, possuímos um canal de ética gerenciado por uma empresa terceira e independente, que conta com uma página na internet, telefone e e-mail. Uma comissão apura os fatos junto a profissionais distintos e indica qualquer tipo de sanção, que é discutida e levada para a diretoria e para o conselho de administração.
A remediação está relacionada às sanções e à desconformidade em contratos com qualquer ente da administração pública ou privada, operando desde a captação de um cliente até o final do contrato, passando por pagamentos, relação com despachante, emissão de alvarás e autorizações ambientais. Olhamos tudo isso.
Quantas denúncias em média a empresa recebe?
Adjair da Cunha Santos — As denúncias têm diminuído. Em 2020, tivemos 12; em 2021, foram 10 ou 11; e em 2022, até agora, seis. Fizemos diversos testes de percepção e confiabilidade do canal de denúncias e pudemos comprovar que o nosso trabalho de prevenção e detecção é bem-sucedido.
Como foi a comunicação das novas políticas de governança para dois mil colaboradores?
Adjair da Cunha Santos — Foi um desafio. Ficamos um período atuando só com engenharia consultiva, então era muito mais fácil treinar pessoas que estão em escritórios por meio de softwares, lives e testes remotos. Quando retomamos nossas atividades em campo, porém, tivemos que repensar esse processo. Muita gente não tinha acesso aos conteúdos facilitados, nem é tão simples parar uma obra para fazer treinamento. Surgiram novas ideias. Criamos livros ilustrados, quadrinhos numa linguagem mais fácil de interpretar e os distribuímos pelos canteiros de obras. Conseguimos juntar as pessoas em uma sala para ter uma comunicação por vídeo e fazer treinamento. Tivemos que levar ao gerente da obra o conceito e fazer com que ele disseminasse essa preocupação e, principalmente, nosso o canal de ética, para que se fizessem denúncias sobre tal contrato, se necessário.
A Engevix Nova Participações já possui aval para participar de licitações da Petrobras, mas ainda não fechou novos contratos. Voltar a atender a Petrobras está nos planos da empresa?
Adjair da Cunha Santos — Voltamos a constar no cadastro da Petrobras, assim como outras empresas da Lava-Jato, que tinham sido suspensas e impedidas de atuar. A partir do acordo de leniência, essas empresas puderam se reabilitar. Nós já podemos atuar em atividades um pouco mais restritas de acordo com a nossa classificação de risco de integridade. Hoje temos plenas condições de estar na classificação média ou baixa de risco. Então, é provável que possamos concorrer a mais contratos. Temos uma relação com a Petrobras desde os anos 1990, acumulamos know how e experiência.
A Desenvix, antes da Lava-Jato, tinha forte atuação em ativos renováveis e foi, posteriormente, vendida para um grupo norueguês. Como tem sido a volta da Engevix ao mercado das renováveis?
Adjair da Cunha Santos — Construímos a Desenvix e depois a vendemos para uma empresa norueguesa. Ainda assim, o grupo nunca se afastou do mercado de renováveis, que não diz respeito apenas à energia eólica e solar, mas também às fontes de energia hidráulica, gás e usinas hidrelétricas, com as quais nossa empresa sempre atuou. Inclusive acabamos de inaugurar a usina hidrelétrica de São Roque, um investimento 100% do grupo, que gera 140 MW, localizada em Canoas (SC). Além disso, atuamos com projetos de implantação de usinas solares e eólicas e temos projetos de geração solar flutuante e hidrogênio verde.
Há uma retomada do setor da infraestrutura?
Adjair da Cunha Santos — Sim, existe uma retomada no mercado, que está aquecido. As demandas foram reprimidas, após quebras e desestruturação das principais empresas do setor. O recente marco legal do saneamento contribuiu para esse impulsionamento. As empresas estão com disponibilidade de caixa, pois seguraram os investimentos na época da Lava-Jato e durante a pandemia.
Quais são os maiores desafios das empreiteiras na aplicação dos programas de integridade e transparência?
Adjair da Cunha Santos — O nosso mercado não está totalmente integrado com as práticas de integridade. As empresas envolvidas na Operação Lava-Jato foram obrigadas a implantar tais programas, mas as demais empresas não seguiram o mesmo impulso. Houve resistência. Afinal, o compliance custa, e não é barato. Para nós, que já pagamos um alto preço por não ter um programa de integridade, entendemos que o custo de implantação vale a pena e é muito menor do que o custo de um desvio de conduta. A maior parte dos clientes está alinhada, como as multinacionais do setor privado e as empresas públicas que se adequaram às exigências da CGU e da Lei de Licitações. Já temos um bom caminho sedimentado e participamos de movimentos como o IBRIC (Instituto Brasileiro de Autorregulação no Setor de Infraestrutura).
Como você avalia os efeitos da Lava-Jato no mundo jurídico?
Adjair da Cunha Santos — Sou um pouco crítico da Lava-jato. Ao mesmo tempo, creio que representou um passo determinante para a implantação dos programas de integridade nas empresas do setor. Do ponto de vista jurídico, a força-tarefa teve muitas falhas procedimentais que prejudicaram as empresas, inclusive as públicas, pertencentes a um setor que emprega e faz girar a economia. Esse princípio não foi observado, como costuma ser observado nos mercados mais desenvolvidos de outros países, como nos EUA, onde as pessoas físicas que cometem ilícitos são punidas. Tirando esse lado negativo, a Lava-Jato impulsionou normas efetivas, como a Lei Anticorrupção, que começou a vigorar em 2013, e já teve que ser usada em acordos de leniência e colaboração premiada. Os acordos de leniência, no início, foram complexos, pois não tínhamos um balcão para protocolá-los, sequer um órgão com métricas que chamasse para si essa responsabilidade. Os acordos de colaboração premiada já existiam, mas foram utilizados de forma subjetiva, mais pela quantidade dos recursos financeiros envolvidos do que pelas provas que pudessem alavancar investigações. Em relação aos acordos de leniência, pela ausência de métricas e pela falta de avaliação criteriosa das provas, as empresas não puderam evitar demissões e quebras de contrato. A partir de 2018, passamos a contar com uma CGU mais atuante, com métricas. Por isso, conseguimos fazer um acordo de leniência por meio de uma análise justa. As instituições, atualmente, estão capacitadas a fechar acordos de leniência e colaboração.
Podemos concluir que os programas de integridade em empresas de infraestrutura, que têm um grande peso na atividade produtiva brasileira, têm função de proteger a economia nacional?
Adjair da Cunha Santos — A maior prejudicada pelas consequências da Operação Lava-Jato foi a sociedade. A infraestrutura sempre foi um setor importante da economia brasileira, e a quebra das empresas contribuiu bastante para a queda da empregabilidade e da renda. As empresas têm responsabilidade social. Por isso, devem olhar com atenção o setor de integridade, e não apenas pela questão do retorno para o acionista.