COP 28: Carlos Nobre revela os estudos inéditos que apresentará em Dubai

por | set 28, 2023

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Em entrevista exclusiva, climatologista e referência mundial sobre a Amazônia fala sobre o alerta que fará na Conferência do Clima da ONU, a partir de 30 de novembro, e critica a prospecção de petróleo na Margem Equatorial: “Não é exploração do petróleo no Brasil, da Petrobrás, aqui ou ali. É no planeta todo. Temos que zerar as emissões até 2050”. Confira na íntegra.

Prêmio Nobel da Paz em 2007, juntamente com a equipe de pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o climatologista e professor Carlos Nobre vai apresentar cinco estudos inéditos sobre a Amazônia na COP 28, que acontece em Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro. 

“Mostraremos que, se o desmatamento continuar sem controle, estaremos muito próximos do ponto de não retorno da floresta amazônica. Uma grande parte do bioma, que pode chegar a 70%, pode se converter em um ecossistema degradado, tornando muito difícil atingirmos as metas do Acordo de Paris,” adiantou com exclusividade ao Integridade ESG.

Em entrevista, o segundo membro brasileiro da história da Royal Society e desenvolvedor do projeto Amazônia 4.0 reafirma que o Brasil pode ser o primeiro país a zerar suas emissões de gases do efeito estufa devido às suas características de geração de energia, mas alerta que a exploração de novos poços de petróleo, além do desmatamento dos biomas, representa um passo atrás na corrida climática.

“Até ser feita a investigação sobre o pré-sal, na costa do Amapá, e se começar a explorar, leva-se sete, oito anos. E um desses poços pode dar petróleo por décadas. Então, o país estaria aumentando a exploração de combustíveis fósseis quando teríamos que atingir o zeramento em 2050”, ressalta.

A criação de uma diretoria de transição energética na Petrobras em 2023 é uma boa notícia, mas, se tivesse sido concluída há 20 anos, no primeiro governo Lula, que tinha dado início ao processo, estaríamos “bem mais avançados”, conclui.

Confira a entrevista completa.

Integridade ESG — Quais novos estudos o senhor vai apresentar em Dubai, por meio do IPCC, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 28), no próximo dia 30 de novembro?

Carlos Nobre Na COP 28, em Dubai, vamos lançar cinco sumários científicos. Dois deles tratam dos riscos que a Amazônia corre. Um aborda o mercado ilegal de terra, que constitui uma das causas principais e mais aceleradas do desmatamento na Amazônia. Outro estudo mostrará que, se o desmatamento continuar e as mudanças climáticas continuarem sem controle, nós estaremos muito próximos do ponto de não retorno da floresta amazônica. Uma grande parte do bioma, talvez não menos que 50%, ou até 70%, pode converter em um ecossistema degradado, a céu aberto, com imensa perda da biodiversidade e imensa perda de carbono, tornando muito difícil atingirmos as metas do Acordo de Paris, além de prejudicar demasiadamente todas as populações amazônicas e o próprio desenvolvimento dessa nova sociobioeconomia da floresta.

A mineração ilegal do ouro é uma das principais ativiades do crime organizado na Amazônia, que deve ser combatido com forças pan-amazônicas, ressalta o climatologista

Outro policy brief aborda a questão de infraestruturas sustentáveis para a Amazônia, como nos transportes fluviais com barcos que funcionem por meio de energia renovável, como a solar, entre outras fontes. Hoje, o transporte na Amazônia é feito com combustíveis fósseis, representando um enorme custo, emissões de carbono e poluição. A infraestrutura de conectividade entre as populações amazônicas, como as comunidades indígenas, os quilombolas e os ribeirinhos, também vai ser abordada no documento. São mais de seis mil comunidades na Amazônia que precisam de conectividade no mundo moderno, com internet. São alguns dos vários estudos que serão lançados em novembro, em Dubai.

“Não é exploração do petróleo no Brasil, da Petrobrás, aqui ou ali. É no planeta todo. Não dá para concordar com nada disso. Até ser feita a investigação na costa do Amapá, começariam a extrair em 2030. E um desses poços pode dar petróleo por décadas, quando teríamos que zerar as emissões até 2050.”

Integridade ESG — O Painel também está desenvolvendo pesquisas a serem apresentadas em Belém, na COP 30?

Carlos Nobre O Painel Científico para a Amazônia continua desenvolvendo uma série de outros estudos e planeja apresentar relatórios importantes na COP 30, em 2025, tanto sobre os riscos quanto sobre a busca de soluções. Vamos enfatizar o quão importante é o papel de conectividade exercido pela Amazônia para a estabilidade climática na região e em toda a América do Sul, inclusive a estabilidade climática global, junto aos Andes, às planícies amazônicas, à costa atlântica da Amazônia e em todos os ecossistemas ligados à Amazônia.

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Integridade ESG — Como o senhor vê as últimas iniciativas pan-amazônicas em torno da proteção da floresta?

Carlos Nobre A iniciativa pan-amazônica é muito relevante e importante para se ter uma visão pan-amazônica da região, e foi a razão de se criar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, a OTCA, em 1978. Desde então, tivemos o período de maior desmatamento de toda a Amazônia, principalmente a brasileira. Então, precisamos avaliar o que a OTCA pode fazer pela região. Veja, eu não estou criticando a OTCA. Mas estou dizendo que não teve um papel importante para conseguirmos uma operação em todos os oito países amazônicos. Inclusive o presidente francês Macron pediu recentemente para entrar na OTCA. Não havia políticas pan-amazônicas suficientes para evitar o desmatamento e a degradação. Os riscos para os sistemas aquáticos com a mineração ilegal do ouro, que lança o mercúrio, que está matando os rios e as pessoas que se alimentam de peixes. Tudo isso aconteceu nesse período todo. Inclusive a explosão do crime organizado pan-amazônico. E o crime organizado não é só a cocaína da Colômbia. Tomou conta de toda Amazônia. Até mesmo na Guiana Francesa houve uma enorme expansão da mineração ilegal de ouro e outras ações criminosas. Uma das conclusões principais da Cúpula da Amazônia é que se deve dar mais importância e peso à OTCA, muito maior do que teve até agora, para que atue politicamente em todos os países amazônicos de forma eficaz e construtiva rumo a uma nova bioeconomia, com a floresta em pé. Para se combater o crime organizado, uma das conclusões da Cúpula foi a criação de uma espécie de uma Interpol amazônica, uma associação das polícias nacionais, cuja sede seria em Manaus. A declaração final também fala da proteção dos povos indígenas, das comunidades locais, das mulheres e dos jovens; do potencial da nova bioeconomia de floresta em pé. Mas não avança muito sobre os caminhos de implementação de política nessa direção, mas pelo menos admite que esse é um grande potencial da Amazônia. Então, esperamos que as declarações da cúpula tenham uma efetiva implementação.

Integridade ESG — O que foi mais frustrante na última Cúpula da Amazônia, em sua opinião?

Carlos Nobre Foi frustrante o fato de que nem todos os países concordaram com o zero desmatamento até 2030. A imprensa noticiou que Bolívia, Suriname e Guiana não concordaram. Na Bolívia, o agronegócio expansionista tem muito poder político e eles querem continuar expandindo a soja e a pecuária, principalmente a soja. Mas é difícil de entender por que Guiana e Suriname não teriam compactuado com o desmatamento zero.

Integridade ESG — O novo PAC vai destinar R$ 26,1 bilhões a projetos de baixo carbono e R$ 335,1 bilhões para aqueles ligados aos combustíveis fósseis. Como o senhor avalia o orçamento?

Carlos Nobre Esses números não fazem sentido. Para combatermos emergência climática, no mundo inteiro, temos que zerar a emissão de gases do efeito estufa, e o Brasil não pode ficar de fora. Veja o investimento no pré-sal na costa do Amapá. Até ser feita a investigação, a busca, e se começar a explorar, leva-se sete, oito anos. Começariam a extrair, mesmo, lá para 2030, 2032. E um desses poços pode dar petróleo por décadas. Então, o país estaria aumentando a exploração de combustíveis fósseis, quando teríamos que zerar as emissões até 2050. Não faz muito sentido em nenhum lugar do mundo. O Brasil tem todas as condições ser um dos primeiros países do mundo a zerar as emissões, inclusive reduzindo a queima de combustíveis fósseis. Das emissões, 75% vêm do desmatamento, da degradação e da agropecuária. Como a maior parte do desmatamento é ilegal, temos condições, acelerando a agricultura regenerativa. Temos potencial gigantesco em energia renovável. Temos energia solar e a energia eólica mais barata do mundo e podemos acelerar muito mais.

Guerra da Ucrânia causou retrocessos ambientais no mundo: EUA autorizaram novas explorações de petróleo no Alaska, enquanto China investiu em projetos de carvão

Com as hidrelétricas, podemos fazer a integração com a eólica e a solar, que são intermitentes. Na hora em que o vento ou a incidência solar diminuem, compensamos com a hidrelétrica. Portanto, explorar novos poços de petróleo não faz sentido em nenhum lugar do mundo. Com a guerra da Ucrânia, houve certo retrocesso: os Estados Unidos autorizaram a exploração de gás natural e petróleo no Alaska, enquanto a China retomou o projeto de exploração de carvão. Mas como disse o António Guterres, secretário-geral da ONU, emergência climática não é mais aquecimento global; é ebulição, efervescência global. O planeta está saindo do limite, então não pode mais. Eu estou falando como cientista climático. Não é exploração do petróleo no Brasil, da Petrobrás, aqui ou ali. É no planeta todo. Então, não dá para concordar com nada disso.

Integridade ESG — O presidente Lula recentemente afirmou que o país pode se tornar em breve a maior potência sustentável do planeta.

Carlos Nobre O presidente Lula está certo quando diz isso, por conta da biodiversidade, da “sociobiodiversidade”. O Brasil tem todo esse potencial, sim, de desenvolver essa nova bioeconomia. Chamamos, na verdade, de socioeconomia da floresta em pé, que valoriza o conhecimento dos povos indígenas e tradicionais. O sistema da florestais na Amazônia gera um lucro dez vezes maior que a pecuária, que tem baixíssima produtividade. Com todos esses produtos da floresta amazônica, como o açaí, o cacau, o cupuaçu, a castanha e dezenas de produtos. O mercado do açaí explodiu nos últimos 20 anos. É totalmente factível. Há uma expansão muito grande do mercado desses produtos. O cupuaçu está começando a chegar em todo o Brasil. O cacau já chegou há muito tempo. Mas o açaí realmente só saiu da Amazônia nos últimos 20 anos. E o cupuaçu, principalmente nos últimos dez anos. Esse é o caminho que o Brasil tem que liderar no mundo.

Integridade ESG — Quais exemplos de sociobioeconomia rentável na Amazônia o senhor citaria?

Carlos Nobre Existem belíssimas cooperativas com sistemas agroflorestais, como a Camta, na cidade de Tomé-Açu, no Pará. Eles produzem mais de 60 produtos da biodiversidade da floresta e já começaram a industrializar a produção, direcionada para mercados locais, nacionais e até internacionais. E não é só açaí, castanha, cacau, cupuaçu. Todos os cooperados já atingiram a classe média. A pecuária na Amazônia, em média, dá um lucro em torno de 500 reais por hectare, enquanto a bioeconomia nesses sistemas agroflorestais bem desenvolvidos gira em torno de cinco a seis mil reais. É a chamada bioindustrialização circular, sem lixo, sem poluição.

Integridade ESG — O setor de petróleo e gás hoje responde por 13% do PIB brasileiro. Como fazer uma transição energética sem causar grandes danos à economia?

Carlos Nobre Há mais de 20 anos, o primeiro governo Lula (2003 a 2007) começou a se fazer uma coisa muito boa, a transição da Petrobras para energias renováveis. Agora, 20 anos depois, foi que a companhia criou a Diretoria de Transição Energética e Sustentabilidade, nomeando o diretor Maurício Tolmasquim, que já foi o presidente da Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia. Mas veja bem, com 20 anos de atraso. O Brasil parou por 20 anos. Porque lá atrás, se a Petrobras tivesse começado sua transição energética, estaria muito mais avançada. Como eu disse, a energia eólica e a solar custam um terço do preço da energia termelétrica de gás natural e a metade do custo da hidrelétrica. Portanto, você acelera a eficácia do sistema econômico porque você tem um fator importante, que é o preço da energia, que cai pela metade. Tudo fica mais barato, gerando muito mais empregos. Mas, infelizmente, a Petrobras não avançou com esse projeto de 20 anos atrás. Isso se explica pelo fato de que temos no país 150 mil empregados do sistema da indústria fóssil.

“Somente agora, 20 anos depois das iniciativas do primeiro governo Lula, a Petrobras criou a Diretoria de Transição Energética e Sustentabilidade. Se a companhia tivesse começado sua transição energética lá atrás, estaríamos muito mais avançados”.

Você tem que capacitar a maioria dessas pessoas para zerar a as emissões até 2050. Nesses 25 anos, muitos vão se aposentar, outros não. Você deve ter um plano. Mas a nossa velocidade é muito modesta. Se tivéssemos começado duas décadas atrás,  dezenas de milhares de funcionários do setor fóssil já teriam migrado principalmente para as energias renováveis. O hidrogênio verde, por exemplo, pode gerar dezenas de milhares de empregos. Isso sem falar na energia solar, que gera de quatro a oito vezes mais empregos, pois tem, inclusive, as pessoas que instalam os painéis nos tetos das residências. Então, você conta com um mercado de trabalho muito bom e amplo para uma energia muito mais barata, mas é necessário um plano governamental, com subsídio, além de um plano para o setor privado, para se zerar as emissões antes de 2050. Agora que a Petrobras recriou essa diretoria de transição energética, temos que esperar para ver as medidas.

Integridade ESG — Se as energias renováveis geram mais empregos e lucros, por que a indústria fóssil é tão forte ainda?

Carlos Nobre Não é uma questão de eficiência nem de economia, como já vimos. A energia limpa gera mais empregos e mais lucros. Então é uma questão de hegemonia, de poder econômico. A indústria fóssil é um setor que existe há muitas décadas. Como você disse, responde por 13% PIB brasileiro, e globalmente por 17%. Estamos diante de um enorme poder político e econômico. Faço uma analogia com a pecuária. A agropecuária regenerativa faz todo sentido, pois reduz as emissões e é muito mais lucrativa. E por que tão raramente o agropecuarista brasileiro muda para a modalidade regenerativa? Porque o pecuarista tradicional no Brasil é muito poderoso politicamente e quer aumentar ainda mais a área de atuação da pecuária intensiva. É algo cultural. É acomodação. Pensam: “Eu faço isso aqui e não vou mudar porque meu pai fazia assim”.

Integridade ESG — O BRICS foi ampliado recentemente com seis novos membros, e agora o bloco soma quase metade da produção de petróleo do planeta. O senhor enxerga essa ampliação com otimismo do ponto de vista da transição energética?

Carlos Nobre Essa é uma enorme interrogação. Se o BRICS, que reúne grandes produtores e exportadores de fósseis, apoiasse algum tipo de projeto consistente de transição energética, poderia fazer uma grande diferença. Precisamos realmente ver se esse grupo agora vai assumir políticas e investimentos de rápida transição para as energias renováveis, ou o contrário. Querem inclusive usar outras moedas além do dólar, criando um grupo muito poderoso economicamente. Será que vão segurar ainda mais a velocidade de transição dos combustíveis fósseis? É uma questão que vai começar a ser respondida no ano que vem (2024), quando esses 11 países se reunirem. Eu não quero “chutar” previsões diante da crise climática. E se os países não abrirem os olhos nós vamos levar o nosso planeta ao ecocídio, não é? Seria inaceitável!

Integridade ESG — Os minérios são essenciais para a transição energética. Como equilibrar a indústria da mineração e a sustentabilidade?

Carlos Nobre O hidrogênio verde não precisa muito de minérios. De qualquer forma, é necessário o lítio para fazer as baterias; o nióbio, as terras raras… Mas a economia circular vem avançando muito na recuperação de baterias. Já existem várias técnicas, cada vez mais factíveis e baratas. Em pouco tempo, eu diria, em uma escala de menos de uma década, a recuperação de baterias será muito grande. Por meio da reciclagem, elas voltarão a ser novas. De todo modo, é possível realizar a exploração mais sustentável de minérios, a chamada mineração inteligente. Veja o caso de algumas empresas que atuaram em Carajás; você vai ver uma floresta. E se não for é botânica, você não vai nem saber que é uma floresta secundária onde houve uma enorme exploração de minério de ferro. É apenas um exemplo de mineração inteligente, que permite a composição de toda a área com bioma natural. Tudo isso é factível. Mas claro que nada é fácil. A mineração ilegal do ouro na Amazônia está sendo fatal para os sistemas hídricos e para todas as populações, o que é inaceitável. Hoje existem tecnologias que permitem não usar o mercúrio na mineração de ouro. Infelizmente, 99% da mineração de ouro é controlada pelo crime organizado, que usa mercúrio nos rios, levando a um ponto de não retorno para a vida aquática da Amazônia.

Integridade ESG — Além da mineração ilegal, lideranças indígenas também reclamam da atividade legal de algumas mineradoras, como empresas acusadas de despejar rejeitos de alumínio nos rios.

Carlos Nobre Eu concordo com eles que não devia ter mineração em territórios indígenas, pois é proibido por lei. O governo Bolsonaro tentou mudar no Congresso Nacional esse marco legal, mas não conseguiu. Todas as minerações em terras indígenas são ilegais. Quanto à produção de alumínio, é preciso tomar muito cuidado, pois gera muito resíduo. Qualquer atividade de mineração envolve grande risco.

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