Quem disse que governança corporativa é coisa de empresa grande? Encontrar o equilíbrio certo entre eficácia e flexibilidade dos controles é o principal desafio dos negócios inovadores, ressalta Jorge Azevedo*, sênior expert da McKinsey e investidor de mais de 460 startups
Ao contrário do que se imagina, as startups podem se beneficiar muito das práticas ESG, como a adoção de processos claros e transparentes, o fortalecimento da cultura e ética e a mitigação de potenciais passivos, além da sofisticação dos critérios de decisão. Empresas com sólida governança conseguem atrair investidores, colaboradores e clientes de qualidade, fatores cruciais para o sucesso e crescimento. Para quem vive na linha d’água, buscando aporte para sobreviver até a rodada de investimento seguinte, tais medidas podem fazer a diferença no que tange à sobrevivência do negócio em um ambiente altamente competitivo e volátil.
No entanto, para capturar tais benefícios, faz-se necessário o uso de uma série de práticas e ferramentas, como:
• A definição de papéis e responsabilidades entre fundadores, gestores, investidores e conselho consultivo;
• O estabelecimento de processos transparentes e bem definidos, como compliance e gestão de riscos;
• O desenvolvimento de uma cultura de ética e integridade;
• O relacionamento com investidores e comunicação efetiva, a exemplo de um portal da transparência.
Por um lado, fica claro que esse conjunto de práticas fomenta a transparência, eficiência e responsabilidade na gestão da empresa. Por outro, para as startups, que geralmente têm uma estrutura mais enxuta e flexível, com equipes de processos reduzidas e menos formalizadas, tais práticas precisam ser aplicadas no momento e na dose certa. Afinal, como dizia o psiquiatra norte-americano Milton Erickson, a diferença entre o veneno e o antídoto está na quantidade.
Encontrar o equilíbrio certo entre eficácia e flexibilidade dos controles em uma startup é o principal desafio da governança corporativa. Na prática, implementar a governança em startups é uma arte e requer muito bom senso:
• Identifique necessidades, prioridades e impactos
A startup, ainda no papel, possui acordo de acionistas? O produto inovador, já validado, possui proteção quanto à sua propriedade intelectual? Antes da busca por investimento, como está o cap table (tabela de capitalização)? Durante o due-diligence, as relações com os fornecedores estão todas regularizadas e formalizadas?
• Escolha o modelo apropriado para o momento em que se encontra
Não adianta contratar auditoria, constituir um conselho consultivo, pensar no plano de sucessão ou, até mesmo, abrir o CNPJ, se o negócio ainda está na fase do PowerPoint. Deve-se encontrar a dose certa para não gerar passivos nem engessar o negócio.
• Defina políticas, processos e metas essenciais
Até a fase de validação, o certo é executar, aprender, ajustar e executar novamente, em um ciclo sem fim. No Vale do Silício fala-se em abordagem go horse, que seria, mais ou menos, atropelar. Mas, quando chega a fase de tração – para crescer exponencialmente – processos bem definidos e metrificados passam a ter extrema importância.
• Capacite times
Afinal, todos os elementos de um negócio dependem de pessoas, direta ou indiretamente. Processos são feitos por pessoas, estruturas organizacionais são compostas por pessoas, sistemas e ferramentas são desenvolvidos e usados por pessoas; cultura é reflexo do comportamento das pessoas, e assim vai.
• Revise e reavalie periodicamente
Visto que as startups crescem muito rápido, o que fazia muito sentido no ano passado pode ter ficado obsoleto. Os valores e a cultura, criados no início, podem estar sendo diluídos pelo ritmo de contratação de novos colaboradores. O mercado, antes inexplorado, pode ter se tornado extremamente competitivo. O seu maior rival pode se transformar na sua próxima aquisição, ou vice-versa.
Em suma, a governança corporativa, quando implementada na dose correta, será extremamente benéfica para as startups. Ela promove um ambiente ético, garante proteção aos stakeholders, viabiliza crescimento sustentável e proporciona uma melhor percepção de valor do negócio. Portanto, não postergue a implementação de boas práticas de governança em sua startup. Comece hoje a criar a fundação para um negócio resiliente e competitivo.
* Jorge Azevedo é sênior expert da McKinsey, especialista em Risco de Crédito; investidor em mais de 460 Startups; membro do Conselho Consultivo das Startups Legalbot e Medhy; do Comitê do Pool de Lawtech da BossaNova; e da Comissão de Inovação e Investimento em Startups e Scale Ups do Board Academy