Em entrevista ao Integridade ESG, Prêmio Nobel da Paz e climatologista lembra que Conferência do Clima de Dubai foi realizada sob forte pressão do setor de petróleo e gás, mas elogia lançamento do programa brasileiro Arco de Restauração Florestal da Amazônia, que pode ser decisivo para que país consiga zerar suas emissões até 2050
Climatologista lamenta falta de acordo entre os líderes globais em torno da eliminação da queima dos combustíveis fósseis diante dos eventos climáticos extremos de 2023, mas se revela otimista com avanço brasileiro voltado para a recuperação do bioma amazônico e para se tornar uma liderança verde global
Para o climatologista e professor Carlos Nobre, Prêmio Nobel da Paz de 2007 e uma das maiores referências científicas sobre o aquecimento global, o documento final da 28ª Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP 28, que terminou nesta quarta-feira (13/12), em Dubai, falha ao prever uma redução gradual do uso de petróleo, gás natural e carvão, ao invés de preconizar uma diminuição rápida da queima de combustíveis fósseis em função da emergência climática.
“A COP de Dubai transmite a impressão de que não percebeu que 2023 foi o ano de recorde de temperatura no nosso planeta nos últimos 125 mil anos e que explodiram eventos extremos. Se 70% das emissões vêm da queima de fósseis, falar agora de uma transição gradual, é muito grave”, enfatizou, em entrevista ao Integridade ESG.
Juntamente com uma equipe de pesquisadores do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o cientista apresentou cinco estudos sobre a Amazônia. Em conversa com o portal, ele avaliou os resultados da COP de 2023 e destacou com otimismo o projeto apresentado pelo governo brasileiro, com financiamento do BNDES — o Arco da Restauração Florestal da Amazônia — que promete recuperar 24 milhões de hectares do bioma e contribuir para que o país alcance a meta de zerar suas emissões até 2050.
Confira a entrevista completa do cientista Carlos Nobre.
Integridade ESG– Como o senhor avalia em geral a COP 28 em função das metas climáticas?
Carlos Nobre – A COP de Dubai transmite a impressão de que não percebeu que 2023 foi o ano de recorde de temperatura no nosso planeta nos últimos 125 mil anos, desde o último período do interglacial. Foi o ano em que explodiram os eventos extremos. A temperatura talvez tenha aumentado 1,4 graus em relação a 1850, 1900. E somente com um aumento de 1,4 já houve enorme risco climático, com recordes registados em todo o mundo, inclusive no Brasil. Houve seca na Amazônia, ondas de calor recorde em várias regiões e chuvas severas recordes no Sul. Então, já devia ter se mostrado todos os riscos das mudanças climáticas para todos no planeta, para os humanos, para toda a biodiversidade.
Integridade ESG – O senhor avalia que os eventos extremos de 2023 causaram impacto na Conferência?
Carlos Nobre – Durante a Conferência, inclusive, um grupo de cientistas lançou um relatório atualizado sobre os pontos de não retorno na Terra, mostrando, por exemplo, que mesmo com 1,5 grau, nós vamos perder uma grande quantidade de gelo na Groelândia, da Antártida ocidental. Geleiras derreterão, e o nível do mar aumentará. Além disso, praticamente vai desaparecer o gelo do Oceano Ártico, o que afetará muito a biodiversidade polar. Com 1,5 grau, quase que vamos extinguir recifes e corais; então é risco enorme. Esse ano já mostrou o tamanho desse risco, pois chegamos perto de 1,5 grau de aumento na média da temperatura global. Quando o oceano chegar perto disso, os eventos extremos vão acontecer com muito mais frequência e intensidade.
Então, no final da COP, as conclusões e o documento final, eles não chamaram atenção para o que a COP 26, em 2021, em Glasgow, na Escócia, reforçou, o que o Acordo de Paris fez em 2015, de que precisamos zerar as emissões até 2050 e que, para isso, é essencial reduzir em 43% as emissões até 2030.
Integridade ESG – Qual a sua avaliação a respeito do documento final da COP 28, que obteve um consenso em torno da transição energética gradual, e não a eliminação dos fósseis, como os ambientalistas queriam?
Carlos Nobre – Apesar de 70% das emissões virem da queima de combustíveis fósseis, inúmeros países do mundo, inclusive o Brasil, continuam a explorar novos postos de petróleo e de gás. E muitos outros países continuam a aumentar novas minas de carvão. Então, hoje, ficar nessa velocidade, quando a COP fala, agora, de uma “transição gradual”, é muito grave. E por que é muito grave? Porque não precisamos de uma transição lenta, e sim da eliminação rápida de uma grande redução das emissões, principalmente da queima dos fósseis, até 2030. O documento final começa a falar em redução até 2035, o que é muito perigoso. Então, vamos dizer assim, essa COP sinaliza que os países vão permitir que a temperatura passe muito de 1,5 grau. Isso traz um risco enorme. O Relatório Global Stocktake, lançado há alguns meses, mostra que as metas que todos os países colocaram na COP 27, no Egito, em 2022, jogaria a temperatura para 2,5 até 2,6 graus, mais alta, em 2050. Com os compromissos atuais, esse número não diminui. Então o risco é muito grande.
Integridade ESG – O resultado final foi dentro do esperado em função do lobby do setor do petróleo e gás em Dubai?
Carlos Nobre – Essa COP, como se esperava, foi realizada em um país produtor de muito petróleo (Emirados Árabes) sob uma pressão política muito grande de todo o setor dos combustíveis fósseis, e não iria mostrar o risco que o planeta já vem correndo em 2023, ano que, como eu comentei, bateu todos os recordes. Agora nós teremos que, realmente, ter uma voz ativa para que o Brasil lidere uma mudança radical e uma rapidíssima transição na COP 30, em Belém. Aparentemente, a COP 29 será realizada em um país produtor de petróleo também (Azerbaijão).
Integridade ESG – Qual o papel do Brasil, sede da COP de 2025, nesse cenário de atraso nas respostas à emergência climática?
Carlos Nobre – A Petrobras é o nono maior produtor de petróleo do mundo. Espero que ela mude para o outro lado, e não fique do lado do aumento da exploração de petróleo e de gás natural. E que o Brasil acelere a transição energética em uma velocidade muito rápida em direção às energias renováveis. Afinal, somos um dos países com o maior percentual de geração de energia renovável para eletricidade. Em anos em que chove muito, esse número pode chegar 90% de geração de energia elétrica.
Integridade ESG – O Brasil mostrou na COP 28 que tem condições de liderar a transição energética global?
Carlos Nobre – Sem dúvidas, o Brasil tem todas as condições de fazer uma rápida transição para a eliminação são dos fósseis, e de se tornar o primeiro país do mundo a zerar suas emissões, já com uma grande diminuição até 2030, zerando o desmatamento. Esse é o programa político do governo federal e dos governos estaduais, principalmente da Amazônia. Iremos reduzir já em 50% as emissões até 2030, pois esta é a meta brasileira colocada, a NDC, de reduzir em 53% as emissões em 2030 em relação a 2005. O Brasil, porém, pode zerá-las antes mesmo de 2050, pois o país lançou, na COP, um grande projeto da restauração florestal chamado Arco de Restauração Florestal da Amazônia. A região amazônica está muito próxima do ponto de não retorno e precisa parar o desmatamento e restaurar uma grande área. Tal projeto, lançado pelo BNDES, pretende restaurar 24 milhões de hectares até 2050, o que será muito positivo não só para impedir o ponto não retorno, como também para eliminar uma grande quantidade de gás carbônico, estimados em mais de 12, 13 bilhões de toneladas, a partir do reflorescimento da Floresta Amazônica nessa grande área desmatada e degradada. Logo, o Brasil tem, sim, todas as condições de dar exemplo para mundo no zeramento das emissões. E talvez seremos o primeiro país de grandes emissões de gases poluentes a zerar suas próprias emissões.