Biocarvão criado por startup francesa amplia renda de agricultores em MG

por | jun 29, 2023

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Diretor da NetZero conta ao Integridade ESG como insumo criado com casca do café aumenta produtividade da lavoura em até 33% e reduz pegada de carbono do agro

A colheita da safra de café dos mais de 400 produtores associados à Coocafé, localizados a cerca de 25 quilômetros da cidade de Lajinha (MG), foi diferente este ano. Eles tiveram o cuidado de juntar em grandes sacos toda a palha do café que sobra depois que os grãos são secos e seguem para beneficiamento, enviando os resíduos diretamente para o forno da fábrica de biocarvão que a startup francesa NetZero inaugurou há cerca de dois meses em Lajinha.

A Coocafé — cooperativa que reúne quase 10 mil produtores na Região das Matas de Minas Gerais, a segunda maior área produtora do estado —, emprestou a área em comodato para a construção da fábrica. O empreendimento recebeu investimentos de R$ 20 milhões e tem capacidade para receber 16 mil toneladas de casca de café em um ritmo de produção estimado em 4.500 toneladas por ano.

As cascas de café passam por um processo industrial de decomposição até o ponto de sobrar apenas o carvão vegetal. O gás gerado pela queima retorna ao sistema de produção e alimenta o fogo, em um modelo circular e sustentável.  Os mais de 400 produtores que participaram dessa primeira fase do projeto vão receber gratuitamente metade do biocarvão — chamado pela NetZero de biochar — fabricado a partir de seus resíduos. A outra parte será adquirida por eles por R$ 3 o quilo.

“Isso significa redução dos custos para os agricultores (os fertilizantes são muito caros) e, ao mesmo tempo, melhorar a renda deles. Também reduz as emissões de gases de efeito estufa associadas à produção e ao uso de fertilizantes, que representam a maior parte da pegada de carbono do café. Em outras palavras, o biochar pode ser uma maneira poderosa de tornar a agricultura mais sustentável e, ao mesmo tempo, mantê-la muito produtiva. Não há quase nenhuma outra solução disponível atualmente que possa fazer isso”,”, afirma o diretor-geral da NetZero, Olivier Renaud.

Biochar funciona como esponja que retém nutrientes do solo

Estima-se que uma fazenda leve de cinco a dez anos para produzir o insumo necessário para cobrir toda a sua área. Detalhe: o produto é aplicado apenas uma vez e dura muitos anos. O biochar funciona como uma esponja capaz de reter água e nutrientes no solo, além de gerar um ambiente favorável às bactérias responsáveis por transportar os nutrientes para a planta. Com isso, a lavoura ganha uma pegada sustentável, que vai além da economia financeira e do aumento de produtividade da lavoura.

O biocarvão é acima de tudo uma forma da agricultura tradicional se adequar à agenda ambiental, já que a redução do uso de produtos químicos nas lavouras diminui a pegada de carbono do café ali produzido. Mas a palha de café é um recurso tão versátil que serve ainda de adubo orgânico, se picada em pedaços menores e misturada a outros resíduos vegetais e, como cobertura do solo, auxilia a retenção da umidade e controla o crescimento de ervas daninhas.

Estudos estimam que os fertilizantes são responsáveis por mais de dois terços das emissões de CO2 associadas à produção de café. Segundo um estudo específico publicado no Journal of Agricultural Science, pela Cambridge Press, o biochar ajuda a reduzir em 33% a aplicação de fertilizantes e, ao mesmo tempo, aumenta em 14% o rendimento da lavoura de café, trazendo resultados concretos no âmbito da agricultura sustentável.

Nova fábrica da NetZero será erguida em Brejetuba (ES)

A NetZero começou em Camarões, na África. Depois de muitas pesquisas, Guy Renaud, o fundador da empresa, que faleceu há menos de um ano, conseguiu desenvolver um modelo de produção que reduz de cinco a 10 vezes o preço ao produtor, tornando a tecnologia mais acessível. Seu filho Alex e seu neto Olivier deram continuidade ao trabalho. Hoje, atuam como CEO e diretor-geral da empresa, respectivamente.

“Acreditamos que não existe melhor fonte de extração de CO2 do que o biochar atualmente. Pegamos resíduos que não tem utilização agora, melhoramos a fertilidade do solo e sequestramos carbono para combater a mudança climática”, frisa Olivier Renaud, lembrando que a redução no custo final é possível graças à comercialização de créditos de carbono atrelados ao biochar.

Alex e Renaud Olivier, CEO e diretor-geral da empresa: 
“Acreditamos que, atualmente, não existe melhor fonte de extração de CO2 do que o biochar”

O empresário explica que o modelo consiste na venda de três produtos: biochar, eletricidade e créditos de carbono.

“Os créditos de carbono são uma forma de subsidiar o preço de venda do biochar para os agricultores. Ao combinar um sistema de produção muito eficiente com créditos de carbono, podemos oferecer biochar a preços cinco a 10 vezes mais baixos do que na Europa ou na América do Norte”, completa, citando entre seus clientes de créditos de carbono o banco de investimento Rothchild&Co e a consultoria empresarial BCG.

Apróxima fábrica da NetZero será erguida na região cafeeira do sul do Espírito Santo, mais especificamente, no município de Brejetuba. A capacidade de produção será a mesma da fábrica de Lajinha: 4.500 toneladas de biochar, assim como o investimento previsto, de R$ 20 milhões.

“A fábrica de Brejetuba será financiada com recursos próprios da NetZero. Talvez possamos nos beneficiar de algum apoio público em algum momento, mas isso ainda não está definido”, revela o diretor da NetZero.

Otimista com o projeto de agricultura sustentável, o vice-governador do Espírito Santo, Ricardo Ferraço, afirmou por meio de sua conta no Instagram que a fábrica irá resolver um grande problema ambiental para o estado. “Não temos como destinar adequadamente a palha do café, mas a fábrica de biochar em Brejetuba vai resolver esse problema e tantos outros porque o biochar é um produto natural que passa por um processo natural e volta para a natureza… ele incorpora competitividade, resgata CO2 e é, portanto, tudo de bom e adequado para esse desafio que todos nós temos que enfrentar como sociedade”, comentou Ferraço.

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