O combate à desigualdade ainda tem menos consenso na sociedade brasileira do que a luta contra a pobreza, frisa diretor e fundador do Centro de Políticas Sociais da FGV
As mudanças climáticas podem ser particularmente dolorosas em áreas de extrema pobreza e o impacto do meio ambiente sobre a meta da erradicação da pobreza em escala global, primeiro dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), é profundo, alerta Marcelo Neri, diretor da FGV Social.Apesar desse panorama preocupante, o economista e ex-ministro chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República afirma que o cenário no Brasil mostra que a linha da pobreza, que vem caindo no longo prazo, deve continuar em queda se o país mantiver o engajamento de toda a sociedade nesse objetivo.
Para alcançar os ODS até 2030 é imprescindível que as agendas social e ambiental caminhem juntas, frisa Neri, lembrando que, em 2023, o choque climático já provocou seca no Amazonas e enchentes no Sul do país. Tais fenômenos agravam a situação de regiões onde há insuficiência de renda, dificuldades da comunidade pela própria subsistência ou pobreza, com populações desabrigadas e plantações destruídas.
Na semana em que se celebra o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza (17 de outubro), a data chama atenção, no Brasil, para a importância da adesão da sociedade a tal desafio.
“A primeira e mais importante meta dos ODS ‘pegou’ no caso brasileiro, através dos vários programas de governo e ações da sociedade civil e do setor privado. A sociedade como um todo se reuniu em torno dos objetivos sustentáveis e aderiu a essas metas em alguma medida, e à superação da pobreza em particular”, disse ao Integridade ESG.
Na opinião do ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ainda é cedo para comemorar resultados, mas 2023 apresenta uma foto melhor nessa luta.
“Espero que o que aconteceu este ano seja um trailer do filme que vem pela frente. Se conseguirmos manter o engajamento nesse objetivo, com a sociedade mobilizada, incluindo governos, sociedade civil e empresas, eu diria que 17 de outubro de 2023 tem que ser visto como um ponto de transição, um começo de uma coisa que tem que ser levada à frente com persistência e sem acomodação”.
Grande produtor de alimentos tem um terço da sua população em insegurança alimentar
O Brasil tem 10% da população ou cerca de 20 milhões de pessoas extremamente pobres. Por isso, ainda há muitos desafios diante do paradoxo de sermos um grande produtor de alimentos, mas com 34% da população em insegurança alimentar.
“Além de surpreender, isso reflete o estágio em que o Brasil está nesse processo”, resume o docente.
Para Marcelo Neri, uma grande agenda precisa transferir ativos e renda, dar oportunidades para as pessoas ou fomentar esse desenvolvimento desde a base, além de incluir as questões ambientais em um país que não é pobre, mas que tem muitos pobres por conta da desigualdade.
“O combate à desigualdade é importante, mas goza de menos consenso na sociedade, diferentemente da luta contra a pobreza, que é um objetivo mais comum a todas as esferas da sociedade”, enfatizou.
Diante desse contexto, o diretor da FGV Social reforçou a necessidade de se realizar mais pesquisas econômicas, uma vez que monitoram o fenômeno, direcionam ações para pessoas, grupos da sociedade e locais onde a pobreza se torna mais urgente. Esses estudos têm o objetivo de indicar onde o problema é maior e onde cresce mais, além de ajudar a identificar as políticas mais eficazes para a sua superação.